Vaidades e cafonices

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A vaidade consome as pessoas. No imaginário da coletividade vaidoso é o ser humano que se esmera esteticamente para se mostrar belo ao próximo. As mulheres, há muito e os homens nem tanto, frequentam consultórios médicos; clínicas especializadas e salões de beleza para melhorar o visual. A estética traz substanciais vantagens ao ser humano pois, melhora a autoestima. Mas existem vaidades de várias nuances. Como integrante da estrutura de Estado, incumbida de controlar o próprio Estado/administração, tenho as minhas e vivo a buscar caminhos para desconstruí-las. Confesso que são muito sutis e não raro, expostas com fim utilitário.

Se é que há essa hipótese….

O vaidoso por excelência é uma pessoa perversa consigo mesma e sobretudo com os outros. Alguns se esmeram em ostentar a superioridade que eventualmente ocupam. Outros, precisam incutir isso. Se acham superiores. E há aqueles que sabem que são só vaidosos, e fazem questão de cultivar essa imagem.

Ontem, 25 de agosto, Fernanda Young sofreu uma crise de asma seguida de parada cardíaca no sítio de sua família no interior de Minas Gerais e faleceu. Fernanda encenou com eficiência, diversos papéis valorizando a nossa cultura, encerrando a sua coluna na imprensa escrita com o artigo “a cafonice detesta a arte”. Sábia Fernanda. Se a matéria deixou de habitar entre nós, seu legado ficará por aqui, iluminando aqueles que querem deixar as trevas.

O cafona é só vaidade. Em seu último texto, a escritora é implacável ao definir que “ O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas”. Lendo a mencionada coluna, lembrei deste artigo, rascunhado para registrar meu inconformismo com incontáveis manifestações postadas nas modernas redes de interatividade humana, por homens tidos como “de bem” e que estão postados de um lado ou de outro lado do mesmo rio.

Ouso atribuir essas colocações como consequência da falta de berços, gerando imensuráveis vaidades e dessintonia histórica dos fatos. Esses arautos se esquecem que caminhamos inexoravelmente para a finitude e precisamos construir pontes para encurtar as distâncias, no breve espaço de tempo que permeia a nossa chegada e a partida do Mundo. Em toda sua trajetória profissional, Fernanda sempre bradou, de forma inteligente, contra tais comportamentos.

O vaidoso está em todos os lugares. Prolifera de modo absurdo, em busca de um cenário para mostrar-se. Ostentar superioridade; conhecimento; exibir beleza; riqueza; habilidade, etc. Obviamente que tal qual o medicamento que na dose correta cura e se consumido exageradamente causa malefício maior, a vaidade comedida, exteriorizada apenas para alimentar a alma, sem qualquer preocupação em atingir alguém, é importante para a vida.

Viver de vaidade…. não é nada construtivo. Existem pessoas que possuem diversos modos de envaidecimento. O pernóstico, por exemplo, exibe conhecimento e mesmo quando assume desconhecer o tema apresentado, o faz para externar poderio, pois, ainda assim, não deixa de se posicionar. É implacável na defesa de seus argumentos que tem certeza, são os únicos apropriados.

Tem o vaidoso que domina a temática e finge não saber, apenas para esperar que outros exponham todo manancial de informações que possuem para só então falar com conhecimento de causa. E quase sempre, sem piedade com os demais. Em suma, vive se apropriando de migalhas.

Os vaidosos intelectuais são difíceis. Enxergam em cada pessoa um asno, analfabeto.… Falam apenas para si próprios.

E o vaidoso pela beleza? Como Narciso, “acha feio o que não é espelho”. Tudo em volta tem um tom acinzentado, enquanto ele exibe as cores do arco-íris. Em regra, esse vaidoso é o tipo que o intelectual vaidoso admite como idiota….

Para essas vaidades temos a alternativa de ignorá-las, rechaçá-las e deixar que o vaidoso vá vivendo a vida do seu jeito.

Agora…., tem um vaidoso que causa extremado prejuízo às pessoas que são obrigadas a conviver com ele. É o cafona que a Young descreve. Pedante, presunçoso, arrogante e pretensioso. Para saciar sua sede de vaidade, cria fatos, faz ilações, ofende e espalha cizânia apenas para alimentar a vaidade de ser alguma coisa. Ou por acreditar que assim se mantém como tal ou que foi, desse modo, que se pôs onde está.

O vaidoso, ainda que sábio ou poderoso, deve lembrar da fábula do pavão onde a ave tem que ouvir que “não há beleza sem senão”. E… imitando o lindo exemplar da natureza que esconde os pés para não apagar a beleza de suas penas coloridas, entender que não há ganhadores em luta de gladiadores. Perdem todos. Cedo ou tarde. Se no pavão a beleza é deleite para quem se dedica a apreciá-lo e, efetivamente, nada pode ofuscar o belo quando ele se põe a mostrar suas penas, os pés feios e desajeitados por natureza, sequer são enxergados. Ficam escondidos. Já o homem, também por natureza, não consegue focar apenas nas coisas belas e o feio termina lhe ofuscando. Por isso, julga e condena, inclusive a cafonice e a vaidade. Ou não, como diria o poeta.

EDMILSON DA COSTA PEREIRA é procurador de Justiça em Mato Grosso.