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sexta-feira, novembro 22, 2024

Senado aprova projeto com gastos de mais de 41 bilhões; economistas apontam riscos

O Senado aprovou nesta quinta-feira (30/6) a PEC (proposta de emenda à Constituição) que abre brecha para que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) fure o teto de gastos e turbine programas sociais a pouco mais de três meses das eleições. A PEC segue agora para a Câmara dos Deputados. Se aprovada pelos deputados, seu impacto nos cofres públicos pode chegar a R$ 41,2 bilhões.

Apelidada de "PEC Kamikaze", ela propõe o reconhecimento do estado de emergência, o que, em tese, daria respaldo legal para o governo criar benefícios em ano eleitoral. A Lei Eleitoral proíbe essa prática como uma medida para evitar a competição desigual entre os candidatos. Por outro lado, a legislação também prevê que em situações de emergência, a criação de benefícios ou aumento de gastos seriam permitidos.

Na justificativa apresentada pelo relator da PEC, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), a situação de emergência seria justificada pelo aumento no preço dos combustíveis e da inflação.

O governo defende a medida afirmando que ela é importante para diminuir o impacto da alta da inflação sobre as pessoas mais vulneráveis. A PEC prevê criar benefícios para caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil por mês até dezembro deste ano (o "voucher caminhoneiro"), um auxílio para taxistas, aumenta de R$ 400 para R$ 600 o Auxílio-Brasil (zerando a fila para o benefício), dobra o valor do Auxílio Gás, compensa Estados pela gratuidade do transporte público de idosos, dá subsídios para a produção do etanol por meio de créditos tributários, entre outras medidas.

A proposta, no entanto, é discutida no momento em que Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto mais recentes, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além disso, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em março deste ano, 68% dos entrevistados atribuem a ele a responsabilidade pela subida dos preços dos combustíveis.

Vários economistas, porém, alertam que PEC apoiada pelo governo pode ter efeitos negativos na economia no curto, médio e longo prazos. Entre eles estão: o aumento das despesas públicas, desconfiança do mercado sobre a política fiscal; pressão sobre a taxa de juros; aumento da inflação; e dificuldades fiscais para quem quer que assuma o governo em 2023.

ROMBO

A rede de notícias BBC News Brasil ouviu economistas especializados na análise de contas públicas e no desempenho do mercado. Praticamente todos alertaram que o aumento das despesas públicas é o risco mais imediato, abrindo caminho para uma série de problemas graves. Segundo eles, os R$ 41,2 bilhões acima do teto de gastos comprometem significativamente a política fiscal do país.

"Somando os R$ 42 bilhões dessa PEC com o impacto de R$ 100 bilhões do projeto que alterou o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços), temos uma ação de cerca de R$ 150 bilhões. E essa conta tende a crescer ainda mais. Talvez sejamos o país que esteja gastando mais no mundo para enfrentar a crise dos combustíveis, mas falta qualidade do gasto", diz Leo Cézar, economista, consultor do Senado e um dos idealizadores do Instituto Fiscal Independente (IFI).

Para o economista-chefe da gestora de ações Ryo-Asset e ex-diretor do IFI, Gabriel Barros, o custo inicial da PEC estimado em R$ 41,2 bilhões pode ser ainda maior porque o reconhecimento do estado de emergência cria uma brecha legal para que o governo possa fazer mais gastos não previstos inicialmente.

"Esse estado de emergência abre a possibilidade de o governo ampliar, ainda mais, os gastos previstos na PEC. E são gastos de difícil controle social. Ou seja, a gente só vai saber o total gasto pelo governo quando o Tribunal de Contas da União (TCU) for analisar a gestão das contas públicas federais", explica.

O segundo risco apontado pelos economistas é o aumento da desconfiança do mercado em relação à política fiscal do país. Eles argumentam que, nos últimos meses, essa confiança já vinha sendo erodida por conta de uma outra PEC, a dos precatórios, aprovada no ano passado e que abriu um espaço extra no orçamento do governo que pode chegar a R$ 104 bilhões. Em grande medida, a PEC possibilitou o pagamento em caráter emergencial do Auxílio-Brasil de R$ 400.

Para Gabriel Barros, a proximidade entre as duas PECs diminui a confiança do mercado no governo.

"Estamos emendando a Constituição a cada seis meses. Isso cria uma incerteza adicional em um ano que já é sensível por conta das eleições e o mercado passa a olhar o Brasil com menos certeza sobre como as contas públicas serão geridas", diz.

Para o coordenador do centro de gestão e políticas públicas do Insper, André Marques, a "PEC Kamikaze" cria instabilidade no mercado e gera distorções que o Brasil já viveu no passado.

"A gente já teve algo parecido quando Dilma Rousseff mexeu na tarifa de energia elétrica para que a população tivesse um ganho momentâneo. O resultado é que esse ganho se transformou em prejuízo no futuro e o mercado reagiu diminuindo investimentos no setor, por exemplo", diz.

INFLAÇÃO

A pressão sobre a inflação e os juros, dizem os economistas, é consequência direta da desconfiança do mercado na capacidade de o governo ajustar suas contas. Para 2022, a meta de inflação do país estava prevista em 3,5% com tolerância de 1,5 ponto percentual.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação acumulada em 2022 até maio segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) já é de 4,78% e, nos últimos 12 meses está em 11,73%. Segundo o Banco Central (BC), a estimativa é que a inflação acumulada de 2022 chegue a 8,8%.

A taxa básica de juros estipulada pelo Banco Central, a Selic, está em tendência de alta. Em janeiro de 2019, ela era de 6,5% ao ano. Agora, ela está em 13,25%.

"Se o governo aumenta os gastos de forma descontrolada, o governo vai precisar pagar mais juros para financiar sua dívida. O mercado começa desconfiar da capacidade de pagamento do governo. Isso cria uma pressão sobre a taxa de juros, afasta investimentos no setor produtivo e pode reduzir a atividade econômica", opina Gabriel Barros.

Os especialistas alertam, também, que PEC deverá impor dificuldades fiscais para quem quer que assuma o governo federal a partir de 2023.

 

Da Redação (com informações a BBC Brasil)

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