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quinta-feira, novembro 28, 2024

Razões de um fracasso olímpico

Mesmo que o Brasil melhore sua colocação no quadro geral de medalhas nestes três últimos dias de Jogos Olímpicos, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e os dirigentes esportivos terão de encontrar outra justificativa que não a propalada falta de recursos para explicar o pífio desempenho dos atletas brasileiros em Pequim. Afinal, nunca houve tanto recurso para o esporte neste país como nos últimos oito anos.
A avaliação é do subeditor de Esportes do Correio Braziliense, José Cruz. Cruz é considerado pelo também jornalista Juca Kfouri como o profissional de imprensa brasileiro que mais conhece política de esporte. Com a experiência de quem acompanha de perto os bastidores do Ministério do Esporte há mais de 15 anos e traz no currículo a cobertura de duas olimpíadas, ele faz um diagnóstico desolador para um país que reivindica o direito de sediar os jogos de 2016.
Para José Cruz, o governo federal faz o seu papel ao abastecer os cofres das entidades esportivas, mas se omite ao não participar da gestão desses recursos e ao deixar de implementar uma política desportiva pública, concentrando dinheiro e poder nas mãos do COB e do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB).
"E essas instituições, que são entidades civis, gastam os recursos de acordo com as prioridades que elas fixam, sem a participação de nenhum representante do Ministério do Esporte", critica. Nos últimos sete anos, lembra ele, só o comitê olímpico recebeu mais de R$ 500 milhões do governo federal.
Efeitos imediatos
José Cruz acredita que o fraco desempenho da delegação brasileira em Pequim causará ao menos dois efeitos: reduzirá as chances da candidatura do Rio a sede olímpica e levará o Ministério do Esporte a acompanhar mais de perto a definição de prioridades pelos cartolas.
"Tenho certeza de que o ministro Orlando Silva, que é um político jovem e tem se mostrado atento às questões do esporte, na volta, vai tentar dar um reordenamento nessa estrutura do esporte brasileiro para que esses recursos sejam mais bem aproveitados. Se isso não acontecer, será um desmando total", adverte.
Para o jornalista, o país conseguiu superar nesta década a tradicional falta de recursos com o apoio das estatais e o advento da Lei Agnelo/Piva (10.264/01), que prevê o repasse de 2% da arrecadação das loterias para o esporte olímpico, e da Lei de Incentivo ao Esporte, criada para beneficiar atletas sem patrocínio.
O problema, ressalta, é que o dinheiro repassado às entidades quase nunca chega à base, o que dificulta o surgimento de novos talentos e a formação dos desportistas. Precariedade agravada com a falta de definição do papel de estados e municípios no fomento ao esporte.
"O que falta é a tal política, definir onde entra o município, onde entra o estado, onde entra a União, onde entra o Comitê Olímpico Brasileiro. A Lei Agnelo/Piva destina também recursos para o desporto escolar e o universitário. Quem gerencia e quem administra esses recursos é o COB. Não deveria estar na mão do COB."
Seriedade em falta
Crítico da candidatura do Rio aos jogos de 2016, José Cruz diz que basta olhar o abandono das obras construídas para o Pan-Americano do ano passado para se chegar à conclusão de que o país não está preparado para sediar o mais grandioso evento esportivo do planeta. "Ora, se não há seriedade com o dinheiro público no Pan, como é que podemos, sem explicar isso, já pensar em uma Olimpíada?"
Além disso, denuncia, as autoridades brasileiras estão mais preocupadas com os dividendos políticos e econômicos que poderão tirar com as obras que precisarão ser construídas do que com a formação propiciada pelo esporte. "Pensam dessa forma mirabolante em detrimento do mais elementar do esporte, que é a formação do atleta. Não pensam no ser humano, no jovem, no atleta, na sua formação de caráter como homem. Pensam em construir, construir e construir", emenda.
Com a experiência de quem fez a cobertura de duas olimpíadas – a de Seul, em 1988, e a de Sydney, em 2000 –, Cruz também responsabiliza parte da imprensa pelo sentimento de frustração provocado pelo desempenho brasileiro em Pequim. "A imprensa brasileira é muito alvissareira, muito torcedora antes de ser analista e crítica", considera, citando a supervalorização de resultados ilusórios do Pan como exemplo.
Desmandos
Mais grave do que essa exaltação, assinala, é o pouco espaço dado ao jornalismo investigativo nas páginas de esportes. "Não é raro ver os desmandos feitos com o dinheiro do esporte. No próprio Pan, do Rio, isso aconteceu. O TCU conseguiu identificar o superfaturamento de um equipamento para identificar crachás de 16.000%. Não foram 16%! Mais recentemente identificaram vários serviços que foram pagos com dinheiro público e não foram prestados, vários produtos comprados e não entregues", exemplifica.
Gaúcho de Porto Alegre, 63 anos, José Cruz se diz "torcedor discreto" do Grêmio desde que cobriu, no Congresso, as duas comissões parlamentares de inquérito que mergulharam no submundo do futebol em 2001: as CPIs do Futebol e da Nike. Atleta frustrado, Cruz tentou sem sucesso o futsal e o tênis. “Agora sou caminhante”, brinca. Desde 1987, o jornalista dedica-se à cobertura esportiva do Correio Braziliense, na capital federal, para onde se mudou há 28 anos
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