Ao se manifestar contra o avanço de sete apurações pedidas pela CPI da Covid, no início da semana, a PGR (Procuradoria-Geral da República) engrossou uma lista de decisões favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro (PL) na gestão de Augusto Aras, iniciada há quase três anos. O órgão, que não fez nenhuma denúncia contra o presidente, já arquivou 104 pedidos de investigação contra ele, segundo extensa e bem documentada reportagem divulgada hoje pelo UOL.
A pesquisa considera as petições enviadas ao STF (Supremo Tribunal Federal) a partir de setembro de 2019, início da atual gestão da PGR.
No período, Bolsonaro foi alvo de 151 representações no STF, sendo 131 notícias-crime (pedidos de investigação) e 20 interpelações judiciais, em geral cobrando explicações por declarações do presidente.
Das 131 notícias-crime que chegaram ao Supremo, 17 foram descartadas pela própria Corte, por causa de inadequações jurídicas. As demais se dividem entre as que Aras mandou arquivar (104) e as que ainda aguardam manifestação da PGR (10).
Entre os casos há alguns similares, que tratam do mesmo tema mas têm autores diferentes, e outros que não avançaram porque já eram alvos de inquérito na Procuradoria. Para juristas consultados pelo UOL, porém, a decisão de Aras de descartar algumas investigações foi equivocada.
O combate à pandemia e os ataques de Bolsonaro às instituições são temas recorrentes entre os pedidos arquivados, e nesse campo está a maioria das decisões da PGR tidas como questionáveis pelos especialistas. Para eles, houve episódios com margem de discussão sobre um possível crime do presidente, mas em outros o delito ficou claro.
"O procurador-geral, com autoridade sobre uma possível denúncia, pode sopesar algumas questões que ficam numa zona cinzenta sobre ser ou não ser crime. Mas, no caso do Bolsonaro, parece que há bons elementos que apontam para uma série de atropelos à lei que ele cometeu", diz Lenio Streck, professor de direito constitucional.
Entre os casos arquivados, os especialistas destacam as declarações golpistas de Bolsonaro em 7 de setembro de 2021, nas aglomerações promovidas por ele durante o pico da pandemia, e no pronunciamento feito pelo presidente no Planalto, em junho deste ano, no qual defendeu que os militares fiscalizem as eleições.
Após os atos de 7 de setembro, por exemplo, o presidente foi alvo de cinco notícias-crime. Os pedidos, que foram movidos por partidos de oposição e entidades democráticas, apontavam que Bolsonaro ameaçou, em discurso em São Paulo, não cumprir mais decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF. A PGR, no entanto, entendeu que a fala foi um "arroubo de retórica".
"Ainda que se admita, por mera hipótese, a existência de uma 'ameaça', não foi a mesma suscetível de ser tomada a sério pelo poder 'ameaçado.' Quando muito, houve um arroubo de retórica de parte do presidente da República", escreveu o subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros. Ao lado de Aras, ele e a vice-procuradora-geral Lindôra Araújo assinam parte dos pedidos de arquivamento.
A respeito do combate à covid-19, os juristas avaliam que a postura da PGR começou a ficar clara já no início da pandemia, quando o órgão pediu o arquivamento de petições que acusavam Bolsonaro de crimes contra a saúde pública ao promover aglomerações em manifestações e passeios pelas ruas.
Neste caso, a PGR considerou que não tinha como enquadrar Bolsonaro por descumprimento de medidas sanitárias porque não havia normas públicas, à época, que proibissem as condutas do presidente — argumento que foi citado pelo órgão também em outros arquivamentos, inclusive os derivados CPI da Covid, decididos na segunda-feira (25).
Sobre o incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada, a vice-PGR Lindôra Araújo argumentou que não havia tratamento para a doença e que Bolsonaro buscou uma alternativa na qual "tinha plena convicção e confiança".
A respeito das atividades com aglomeração, ela concluiu que o presidente não desconsiderou a pandemia, mas avaliou que "estavam em jogo diversos outros fatores num cenário macro, como a economia do país".
Para a advogada Tania Maria de Oliveira, coordenadora da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), Bolsonaro cometeu "crimes encadeados" ao longo da pandemia que precisam ser vistos em conjunto.
"Não tem como deixar de enxergar o cometimento de determinados crimes. Porque a gente verifica a conduta a partir do que ela produz de consequências", diz. "Não foram atos isolados, foi uma série de atos encadeados para atingir a imunidade de rebanho. [Bolsonaro] dizia isso claramente, falava que todo mundo ia pegar a doença."
COBRANÇAS
Em agosto de 2021, após uma série de ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral, um grupo de 27 subprocuradores-gerais elaborou manifesto pedindo ao PGR "a incondicional defesa do regime democrático, com efetivo protagonismo, seja mediante apuração e acusação penal, seja por manifestações que lhe são reclamadas pelo Judiciário".
A carta, que expôs um racha no órgão, foi assinada pelos procuradores Nicolao Dino, Mario Bonsaglia e Luiz Frischeisen, escolhidos pela lista tríplice da categoria e foram ignorados por Bolsonaro.
No mesmo mês, subprocuradores aposentados acusaram Aras de não cumprir sua "missão constitucional"
da Redação (com informações do UOL)