Prisão em segunda instância

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O Brasil tem o 9° maior índice de homicídios do mundo, com uma média de 31,1 mortes para cada 100 mil pessoas, segundo diagnóstico realizado pela Organização Mundial da Saúde – OMS, em 2018.

Muito embora tenha registrado, no primeiro semestre deste ano, uma queda de 22% nas mortes violentas, o número de assassinatos continuam alarmantes. Trata-se de 01 (uma) morte violenta a cada 12 minutos; média de 118 por dia, segundo o Núcleo de Violência da USP.

Para muitos, um dos fatores cruciais que motivaram o aumento catastrófico da violência nos últimos anos é a impunidade. Isso porque todos os dias são noticiados casos em que homicidas confessos, por exemplo, são colocados em liberdade, muitas vezes já condenados em instâncias inferiores.

Nesse contexto, nos deparamos, diariamente, com posicionamentos conflitantes.

Para uns, o réu deve responder todo o processo em liberdade, pois o julgador, quando da análise do caso concreto, deve ter em mente o fato de que a Constituição Federal de 1988 veio para assegurar direitos que não eram respeitados anteriormente, enaltecendo, sobretudo, o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana.

Para outros (em um caso de homicídio, por exemplo), quando da análise do caso, o julgador deve manter o réu encarcerado durante todo o processo, levando-se em consideração que a Constituição Federal é instrumento gerador de justiça social, garantindo, inclusive, a inviolabilidade do direito a vida – o bem mais sagrado, mais valioso.

Não obstante a divergência de posicionamentos – o que é absolutamente natural em um Estado democrático de direito, é preciso lembrar que, por expressa previsão constitucional, ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Apesar da literalidade da norma, o Supremo Tribunal Federal mantinha o entendimento no sentido de que tal previsão normativa trazia um sentimento de impunidade popular, tanto que, há mais de dez anos a mais alta Corte de justiça do país autoriza àqueles condenados em segunda instância a inicialização da execução de suas penas, muitas vezes enclausurados.

Tal fato ensejou a propositura das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, todas de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, tendo por objeto o art. 283 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 12.403/11, objetivando a definição do alcance e âmbito de incidência dos princípios da presunção de inocência e da ampla defesa.

Diante da relevância da matéria, mormente em virtude dos reflexos que a decisão trará ao sistema carcerário a nível nacional, no último dia 23, o Supremo Tribunal Federal realizou Sessão Extraordinária tendo por objeto a análise das ADCs acima mencionadas, onde tive a honra de estar presente.

Por um lado, é possível observar que há flagrante preocupação do STF no sentido de dar efetividade aos mandamentos judiciais contidos nas sentenças não transitadas em julgado, como forma de dar uma “resposta” à sociedade.

Por outro ângulo, também é do conhecimento do STF que no mês de julho de 2019 o Conselho Nacional de Justiça, através do Banco de Monitoramento de Prisões, identificou a existência de 812.564 mil presos, lembrando que 41,5% desses acusados são presos provisórios (presumivelmente inocentes), ou seja, sem condenação criminal transitada em julgado.

Como operador do direito, com todo respeito aos posicionamentos em sentido contrário – mesmo porque discussão coerente fortalece a democracia – penso que, tratando-se de direitos e garantias fundamentais (presunção de inocência), não há espaço para exercícios hermenêuticos.

A regra prevista na Constituição Republicana de 88 é cristalina: Para que se dê início à execução da pena, necessário se faz a existência de um título judicial transitado em julgado, ou seja, quando restar esgotado todos os meios recursais nas instâncias superiores, lembrando que para casos excepcionalíssimos o legislador infraconstitucional já consignou no art. 312 do Código de Processo Penal medidas para a garantia da ordem pública, econômica, instrução criminal e aplicação da lei penal, desde que devidamente justificadas.

Para aqueles que adotam a corrente no sentido de que não seria justo aguardar o julgamento de todos os recursos para só então prender o acusado, pois implicaria em impunidade e macularia a respeitabilidade do Poder Judiciário, data maxima venia, entendo que tal posicionamento não prospera na esfera de análise constitucional, mormente porque estamos tratando de direitos e garantias fundamentais.

Com efeito, considerando que há informações no sentido de que o Supremo Tribunal Federal reunir-se-á no mês de novembro de 2019 para dar continuidade no julgamento da ADCs, espero confiantemente que as discussões sejam mantidas no plano jurídico-constitucional, deixando de lado questões de análise puramente sociológicas.

 

ANDERSON DE SOUZA é advogado.