Povos indígenas denunciam situação em Mato Grosso do Sul e atuação da Funai

O mundo comemora hoje (09) o Dia Internacional dos Povos Indígenas e a data tem servido para chamar atenção à situação dos nativos brasileiros, com destaque para a região Centro Oeste. Ontem a relatora da ONU Mary Lawlor, que monitora a situação dos defensores de direitos humanos, colheu relatos de lideranças dos povos Guarani Kaiowá. A comunidade sofreu ataques recentemente, cometidos por fazendeiros e jagunços armados em Mato Grosso do Sul.
Nos últimos três meses, ao menos três Guarani Kaiowá foram assassinados no estado. A violência ocorre em meio a retomada de terras ancestrais, sobre as quais se expandiram fronteiras agrícolas. No final de junho, um ataque de pistoleiros feriu dezenas de indígenas, incluindo mulheres e crianças, no território Dourado-Amambai Pegua II, em Naviraí (MS). O mais recente ataque, dia 2 de agosto, feriu um indígena, baleado em uma emboscada na entrada da TI Amambai.
A situação foi tema de um encontro virtual entre Lawlor e os Guarani Kaiowá. A relatora da ONU concentrou o encontro na situação da região e nos pedidos de proteção dos indígenas. Ela tomou depoimento de um adolescente de 14 anos, baleado durante uma operação policial na região. Ele chegou a ser dado como morto pelos parentes indígenas, por conta do estado de saúde em que se encontrava. Em um segundo relato, uma estudante Guarani Kaiowá descreveu a mesma operação, em que um tiro passou próximo a sua cabeça.
MARCO TEMPORAL
Segundo participantes da reunião, Lawlor se mostrou especialmente preocupada com a situação das mulheres indígenas e solicitou maiores dados sobre a ação dos pistoleiros e seguranças armados na região. A esperanças das comunidades indígenas é que a ONU possa pressionar o governo brasileiro a agir para garantir a proteção dos indígenas. A situação das comunidades no Mato Grosso do Sul é um “retrato” das constantes violações que sofridas pelo indígenas no país.
Há mais de 70 acampamentos Guarani Kaiowá espalhados pelo sul do estado, aguardando a demarcação dos territórios. O que aumenta a vulnerabilidade da população originária. Não à toa que, neste Dia Internacional dos Povos Indígenas, entidades, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estão promovendo um tuitaço cobrando a retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do Recurso Extraordinário (RE) do Marco Temporal.
O recurso é considerado fundamental para salvaguardar os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil. Mas o adiamento da decisão pelo STF ainda traz insegurança jurídica e política para essa população. “O governo Jair Bolsonaro prometeu e cumpriu: não demarcou um milímetro de terra indígena, quer passar a boiada e correr com PLs (projetos de leis) da mineração e da grilagem. Neste #DiadaResistenciaIndigena estamos mobilizadas e mobilizados: nossa luta é pela vida”, escreveu a Apib.
Já investigado pela ONU por outros casos de violência e omissão na proteção dos povos indígenas, o governo Bolsonaro, sempre que questionado pela organização, responde que a Fundação Nacional do Índio (Funai) cumpre suas funções. À ONU, o Brasil ainda alega que os cuidados com as comunidades é “uma das prioridades” da atual gestão.
Mas em comunicados neste Dia Internacional dos Povos Indígenas diferentes entidades contestam essa versão. “O governo brasileiro transformou a agência encarregada de promover e proteger os direitos indígenas em uma agência que colocou esses direitos em risco”, destacou a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu.
“No Brasil, onde se registra a maior diversidade de povos indígenas do mundo, a política de assimilação e integração do atual governo é violenta. Tem todo o resquício colonial subalterno ao capital. Os povos indígenas são vistos como empecilhos ao desenvolvimento. Por essa lógica, devem ser eliminados e seus territórios, abertos para a exploração, livre de quaisquer responsabilidades”, observa em nota o Conselho Indgenista Missionário (Cimi).
FUNAI
Nas redes sociais, internautas e organizações em defesa dos direitos humanos também protestaram pela saída do presidente da Funai, Marcelo Xavier. Indicado por Bolsonaro, o então delegado da Polícia Federal é acusado de perseguir servidores comprometidos com os direitos indígenas, de prejudicar os esforços para proteger as TIs, além de desestruturar o órgão para facilitar a invasão de garimpeiros, madeireiros, grileiros e outros invasores.
Um dossiê publicado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e a associação Indigenistas Associados (INA) mostrou que, com Bolsonaro e Xavier, a Funai se transformou em um órgão de políticas anti-indigenistas. Atualmente, segundo o documento, apenas dois dos 39 coordenadores regionais da pasta são servidores de carreira. As demais estão sendo chefiadas por pessoas de fora da Funai, incluindo 31 militares e policiais ativos ou da reserva com pouca ou nenhuma experiência em questões indígenas.
“A Funai deveria defender os direitos indígenas, mas tem devastado e atacado tudo o que vê pela frente. Não podemos permitir isso! Fora Marcelo Xavier!”, tuitou a Apib neste Dia Internacional dos Povos Indígenas. Servidores da Funai também protestam pela saída do presidente e “por uma Funai que proteja os povos indígenas” em ato em Brasília, que ocorre desde a manhã desta terça. Na manifestação, os trabalhadores também cobram justiça pelos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, mortos em junho, no Amazonas.
Da Redação (com RBA)