Rio de Janeiro – A raiz da exploração sexual de crianças e adolescentes não é econômica e sim social. Essa é a defesa do diretor regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na América Latina e no Caribe, Nils Kastburg.
Em entrevista à Agência Brasil, durante o 3º Congresso Mundial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em andamento no Rio, Kastburg diz que a situação mais grave está na família. Segundo ele, na América Latina e no Caribe, a cada hora 228 meninas e meninos são abusados por alguém ligado a sua família.
O diretor do Unicef também aponta a necessidade de leis de cooperação internacional e de trabalho conjunto entre países limítrofes para combater o problema, especialmente os 12 que compõem a União Sul-Americana de Nações (Unasul).
Agencia Brasil: Que peso tem, para o Brasil e a América Latina, o fato de esse congresso mundial acontecer no Rio de Janeiro?
Nils Kastburg: Os dois primeiros congressos mundiais trataram exclusivamente de exploração sexual comercial. Agora, no terceiro, temos ampliado o âmbito de discussão, o que permite trabalhar a temática do abuso sexual em torno da família. Muitos dos que vemos nas ruas de prostituição começaram com violência intrafamiliar, com abuso sexual em casa. E o que esperamos é que este congresso ajude a visibilizar mais isso. Havia um manto de silêncio em cima de todos os altos níveis de abuso em torno da família. As mulheres que viam suas filhas sendo abusadas por seus amantes não falavam e é importante que comecem a falar desse tema. Sabemos que quando não se rompe o silêncio, isso se repete de geração em geração. Hoje em dia, a América Latina e o Caribe têm 228 meninas e meninos sendo abusados a cada hora por alguém em torno da sua família e este congresso quer pôr à luz do mundo o que está ocorrendo em nossa região. Também espero que este congresso consiga visibilizar o mau comportamento dos homens, porque na grande maioria dos casos de exploração sexual, seja comercial ou familiar, o problema está nos homens.
ABr: A pobreza quase sempre está na base da exploração sexual de crianças e jovens, especialmente quando se trata da comercial. Como um congresso pode ter impacto sobre essa exploração quando ela está relacionada a um problema tão profundo quanto a pobreza?
Kastburg: Primeiro a exploração sexual e o abuso sexual em torno da família não é um tema relacionado à pobreza. Têm muitas crianças que no contexto da pobreza estão muito bem protegidas. O abuso é exercido por aqueles que, por exemplo, vêem fotos pornográficas de crianças pela internet. A maioria dos que estão comprando essas fotos são pessoas de classe média ou ricas. Eles são parte desse problema, que é dos ricos, da classe média e dos pobres. Primordialmente, as meninas que terminam na prostituição, não acabam assim por causa da pobreza, mas principalmente por causa da violência. Encontro muitas meninas que me dizem 'eu prefiro dar sexo para um policial do bairro uma vez por semana para que ele me proteja, que estar em casa todas as noites com meu padrasto abusando de mim'. Então, 50% ou 60% das crianças que estão nas ruas da América Latina, não estão primordialmente por pobreza, estão principalmente por causa da violência familiar. A exploração sexual comercial se nutre dos altos níveis de abusos sexuais na família. O que precisamos é romper o silêncio e gerar uma vergonha. Temos que fazer com que a sociedade, que atualmente é indiferente, sinta vergonha do fato de que há pessoas que querem usar e abusar dos meninos e meninas brasileiros e de todo o mundo. Enquanto tivermos uma sociedade que tolera isso, vamos estar mal.
Agência Brasi