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segunda-feira, novembro 25, 2024

O jornalismo brasileiro perde um dos seus "ICONES"

Morreu nesta terça-feira em São Paulo às 20h40, aos 88 anos, o jornalista Ruy Mesquita, que comandou o "Jornal da Tarde" e "O Estado de S. Paulo".

Ele foi internado no último dia 25 de abril no Hospital Sírio-Libanês. Tinha um câncer na base da língua.

Dilma diz que Ruy Mesquita foi 'símbolo de uma geração da imprensa brasileira'

O velório será na casa da família, no Pacaembu, zona oeste de São Paulo. O enterro ocorrerá às 15h no cemitério da Consolação.

Último remanescente da terceira geração de jornalistas que dirigiu o "Estado", ele foi um liberal conservador que manteve a tradição do pai e do avô de jogar o peso institucional dos jornais da família contra projetos populistas e autoritários
Nascido em 1925, Mesquita teve uma infância marcada pelas dores do exílio e do tratamento contra a paralisia infantil que lhe afetou a perna esquerda. Aos sete anos, foi com a família a Portugal, sem previsão de volta, por causa do envolvimento de seu pai, Júlio de Mesquita Filho, na fracassada Revolução Constitucionalista de 1932.

De volta ao Brasil, assistiu à distância a trajetória do "Estado", quase sempre crítico do governo de Getúlio Vargas.

Em 1938, no início do Estado Novo, Mesquita Filho foi preso e, mais uma vez, exilado. Em 1940, dias antes de Ruy fazer 15 anos, o jornal foi encampado pelo governo e só seria devolvido à família em 1945, com o fim da ditadura.

Ruy Mesquita começou a trabalhar no "Estado" em 1948, mas só assumiria o primeiro cargo de responsabilidade em 1953, quando passou a responder pela editoria de Internacional, na época a mais importante do jornal.

Permaneceu na função até assumir a direção do "Jornal da Tarde", vespertino que circulou de 4 de janeiro de 1966 até 31 de outubro de 2012.

DITADURA MILITAR

Enquanto trabalhava como editor do "Estado", Ruy Mesquita, junto com seu pai e outros membros da família, participou da conspiração que depôs o então presidente João Goulart em março de 1964.

Natural, pois, que o "Jornal da Tarde" tenha nascido "decididamente a serviço daquela nobre causa", como dizia a apresentação do jornal ao se referir à ditadura militar (1964-1985). Mesquita passou a se opor à ditadura após o Ato Institucional nº 5 de 1968, que endureceu o regime.

Os jornais do grupo, como toda a imprensa, tiveram tolhida a liberdade de informar. Em 1972, o "Estado" e o "Jornal da Tarde" passaram a sofrer censura prévia depois de um episódio em que Ruy Mesquita foi protagonista.

Em setembro daquele ano, proibido de publicar uma entrevista, Mesquita escreveu um telegrama ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, chamando o Brasil de "republiqueta de Banana".

A censura ensejou resposta corajosa e criativa de Ruy Mesquita. Foi dele a ideia de publicar receitas culinárias no lugar de notícias censuradas, para chamar a atenção dos leitores para o que ocorria na Redação.

Na sequência, o "Estado" seguiu o exemplo com a reprodução de trechos de "Os Lusíadas", do poeta português Luís de Camões. A censura prévia seria suspensa em janeiro de 1975, quando o "Estado" fez cem anos.

A atitude de Mesquita lhe rendeu prestígio até entre adversários políticos. "Eu, que era pichado de reacionário, virei herói de estudante, como exemplo de luta pela democracia", disse.

Ao enfrentar a ditadura, Mesquita reforçava os laços com os leitores jovens a quem o "Jornal da Tarde" –"com textos mais coloquiais e diagramação moderna"– era prioritariamente dirigido.

Ruy Mesquita exerceu o cargo de diretor-responsável do "Jornal da Tarde" até janeiro de 1996, quando foi substituído por Fernão Lara Mesquita, um de seus quatro filhos. Seis meses depois, assumiu a direção do "Estado", após a morte de seu irmão mais velho, Júlio de Mesquita Neto, que ocupava o cargo.

Mesquita sempre privilegiou o aspecto editorial das publicações, preocupando-se menos com o lado empresarial. Entendia, como seu pai e seu avô, Júlio Mesquita, que a razão de ser dos jornais da família era a defesa da causa liberal, que começou com a articulação da Proclamação da República e passou pelo combate ao getulismo e à ditadura militar, além de críticas ao governo do PT.

Com aversão ao predomínio do marketing sobre o jornalismo, criticava o que chamava de "murdoquização" da imprensa –alusão a Rupert Murdoch, o magnata australiano que se tornou o rei da imprensa popular na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Mesquita dirigiu o "Estado" por sete anos, até a reestruturação da empresa, quando a família se afastou das funções executivas.

Passou, então, a exercer o cargo de diretor de Opinião, sendo responsável pelos editoriais do jornal, que corrigia à mão numa caligrafia que poucos decifravam.

Durante décadas, o "doutor Ruy", como era chamado, manteve a rotina diária de acordar de madrugada, ler os jornais em casa e chegar depois do meio-dia à sede da empresa, de onde só saía após "mais uma batalha perdida" –uma metáfora para o fechamento da edição que às vezes citava, rindo.

Deixa a mulher, Laura Maria Sampaio Lara Mesquita, os filhos Ruy, Fernão, Rodrigo e João, 12 netos e um bisneto.
Fonte:Folha de S.Paulo
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "História da Imprensa Paulista" (Três Estrelas) e "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).

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