"De um minuto a outro, apresentaram o projeto, aprovaram-no, levaram-no ao Senado e num lampejo interplanetário, tudo estava finalizado, durando apenas em torno de 35 minutos"
Prof. J. Vasconcelos*
A Nação brasileira foi sobressaltada com a atitude dos parlamentares em se aumentarem a si próprios, utilizando-se de um percentual astronômico numa corrida igual à da velocidade da luz. Aplicaram índice três vezes maior do que a inflação. De fevereiro de 2007 a novembro de 2010, o IPCA, índice oficial de inflação, foi de 20,9%.
Apressaram em justificar esse inusitado aumento porque a Constituição prevê salários iguais com os ministros do STF. Não obstante o artigo 37, inciso XI da CF se preocupar mais com o limite dos subsídios, os deputados acharam uma brecha para invocar a igualdade remuneratória.
Mas quem fez a Constituição e quem maquinou esse dispositivo? Foi por acaso o povo?
Não. Quem fez a Constituição e aprovou aquele dispositivo foram os próprios políticos. Logo não existe literalmente base moral e democrática.
Tal como ensina a Democracia Pura, somente os cidadãos podem estabelecer as leis soberanas. Se o povo não as instituiu, perdem-se quaisquer valores para fundamentar isso ou aquilo. Ainda mais um agravante: As remunerações dos membros do STF são validadas pelos parlamentares conforme o art. 48, inciso XV da CF. Logicamente, uma coisa vai puxar a outra e quem sofrerá as consequências serão os cidadãos e a sociedade.
Por outro lado, a maneira como providenciaram esse aumento já nos deixa estupefatos. De um minuto a outro, apresentaram o projeto, aprovaram-no, levaram-no ao Senado e num lampejo interplanetário, tudo estava finalizado, durando apenas em torno de 35 minutos. Todo mundo foi pego de supetão.
Sem dúvida, é um acinte a toda a população brasileira. Como bem frisou a articulista Denis Machado, foi uma "corrida em favor do próprio bolso", que concluiu com maestria: "O aumento salarial dos deputados e dos senadores é prova da máxima de que a velocidade de votação no Legislativo é ajustada na medida exata do interesse pessoal dos parlamentares na aprovação dos projetos" (Estadão de 16.12.10).
De fato, a nação espera há anos que o Congresso promova reformas urgentes na legislação penal, como o problema da maioridade penal e o da progressão penal para os crimes hediondos. E a coisa não anda. Não requerem nenhuma urgência, muito embora a criminalidade seja atroz ao povo brasileiro, causando-lhe um verdadeiro terror permanente. Agora mesmo, o estudo "Características da Vitimização e do Acesso à Justiça", feito pelo IBGE, com dados de 2009, indica que nada menos do que 77 milhões de pessoas no Brasil têm medo de andar na rua. Ora, isso é uma informação alarmante e denuncia que a sociedade brasileira está sufocada e torturada, necessitando urgentes medidas.
Que ´sociedade` é esta em que as pessoas somente podem sair às ruas aterrorizadas? Nada, porém, é feito e o assunto se arrasta por longo tempo na casa parlamentar. Todavia, nesse caso que se trata de vantagem aos mesmos, os parlamentares suplantam tempo e burocracia num piscar de olhos.
O mais triste de tudo isso é que os parlamentares, em geral, não têm necessidade nem urgência de serem aumentados, pois já recebem gordas remunerações, uma vez que contam com outros tipos de remunerações indiretas que decuplicam seus salários, como a ajuda de custo, os auxílio-moradia, auxilio- saúde, auxilio de representação (as chamadas verbas indenizatórias que cobrem entre outras coisa restaurantes, combustível, telefone, etc.), auxilio-graxa,viagens nacionais e internacionais. Não estamos computando outros benefícios que possam ser auferidos com o uso das verbas orçamentárias, cujos casos são diariamente mencionados pela imprensa.
O total que os parlamentares ganhavam antes desse vergonhoso aumento já representava em torno de mais de 100 vezes o salário mínimo do país. Ademais, recentes dados fornecidos ao TSE têm demonstrado que o patrimônio de mais da metade dos congressistas fica entre a classe rica e milionária. Logo, não há respaldo para toda essa emergência e o elevado índice do aumento.
O pior ainda virá com o efeito cascata, visto que esse aumento acionará aumentos dos deputados estaduais e dos vereadores. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) é estimado em R$ 1,9 bilhão o impacto potencial em prejuízo das cidades do país.
*Advogado, filósofo e autor do livro “Democracia Pura”