O decano

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Há 30 anos, o ministro Celso de Mello honra e dignifica a mais elevada corte de Justiça da República. Suas intervenções nas sessões são históricas. Seus densos votos no Supremo Tribunal Federal são a expressão de um magistrado comprometido com a melhor causa da Justiça e com o Estado democrático de Direito.

Egresso das Arcadas do Largo do São Francisco, Celso de Mello nos proporciona, em cada conversa repleta de sabedoria, uma aula de história, de filosofia, de direito e de vida.

Conviver com ele é saborear cultura, respeito e amizade. Com ele aprendi e aprendo que cordialidade, simplicidade e perfil conciliador são características que enobrecem ainda mais o ofício da jurisdição constitucional, por viabilizarem o diálogo, essencial em uma democracia.

Celso de Mello sempre se mostrou um juiz desassombrado e intransigente na defesa da dignidade da pessoa humana, dos direitos e das liberdades fundamentais. Em suas palavras, essa defesa “é uma das missões irrenunciáveis do juiz digno e consciente de seus deveres éticos, políticos e jurídicos no desempenho da atividade jurisdicional”.

Tendo ingressado no tribunal em 17 de agosto de 1989, Celso de Mello cruzou praticamente todo o período que vai desde a promulgação da Constituição de 1988 até os dias atuais. É, a um só tempo, artífice e espectador da história do Supremo Tribunal Federal e da própria democracia brasileira após 1988.

Sua autoridade como decano é exercida com a altivez e a serenidade dos sábios. Quem acompanha os julgamentos é testemunha do poder de suas intervenções, que carregam, além de notável sabedoria jurídica, a memória judicial e institucional do tribunal, por meio do resgate dos debates dos ministros de outrora e de episódios relevantes da história da corte e do país.

De sua cadeira no STF, Celso de Mello vem contribuindo para a concretização do projeto de sociedade inscrito na Constituição da República, por meio da construção de uma jurisprudência pungente em defesa do Estado democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana, das liberdades fundamentais e dos direitos das minorias, conforme expresso em incontáveis precedentes do tribunal.

Essa sensibilidade de Celso de Mello revelou-se, recentemente, em todos os seus matizes, na defesa contundente da existência de omissão na edição de lei que criminalizasse atos de homofobia e de transfobia, ocasião em que sustentou a importância da atuação da Suprema Corte em favor dos “atingidos pelo arbítrio, pela violência, pelo preconceito, pela discriminação e pelo abuso” (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26).

Celso de Mello é um homem à frente do seu tempo. Seus entendimentos, registrados em julgamentos históricos como o mencionado aqui, traduzem o anseio por um país e um mundo melhores, em que liberdade, igualdade e justiça sejam franqueados a todos, sem distinção.

A visão do decano sobre a Justiça está refletida na própria missão institucional do STF, por ele cunhada, e inclui o dever de velar pela integridade dos direitos fundamentais, de conferir prevalência à dignidade da pessoa humana, de fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos a injustas perseguições e a práticas discriminatórias e de neutralizar qualquer opressão estatal.

Nesses 30 anos, Celso de Mello manteve-se, com vigor, fiel ao compromisso inarredável do STF de garantir a inviolabilidade e a intangibilidade da Constituição. Pode-se afirmar que a história recente da corte como guardiã dos direitos e das liberdades confunde-se com a filosofia constitucional de seu decano, cuja compreensão sobre a justiça, a democracia, a liberdade e a dignidade tem inspirado ministros de várias gerações que com ele conviveram e ainda convivem. Celso de Mello é o farol do Supremo Tribunal Federal.

Parabéns, ministro Celso de Mello! O Brasil lhe agradece. A sua trajetória como jurista e juiz constitucional honra o país, o Supremo Tribunal Federal e a democracia brasileira.

DIAS TOFFOLI é presidente do Supremo Tribunal Federal