Não há fronteiras para o vírus

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O novo coronavírus – Covid-19 – é uma prova concreta que essas coisas de fronteiras e barreiras nacionais são ideias e artefatos arcaicos no mundo atual. O mundo está definitivamente globalizado, não há volta, não há como impedir o trânsito e o tráfego de ideias, bens, pessoas e doenças. O muro que Trump quer construir nada impede ou impedirá, nem pessoas, nem drogas, muito menos doenças de adentrar nos Estados Unidos. Dificulta apenas a vida dos pobres, pois que ricos entram de primeira classe em qualquer país.

Como ninguém vive isolado e o contato humano é inevitável, tudo que se pode fazer é aprender a conviver com as intempéries da vida, algo que se inicia sem culpados e que se tem que agir para não virar ou causar vítimas. O contato humano potencializou a todos, desfrutando as conquistas humanas, luz, máquinas, medicina e muitas outras coisas, mas trouxe e traz também algumas doenças que podem causar muitas perdas humanas.

No final o vírus causará poucas perdas, mas a degustação daqueles que lucram com a desgraça, promoverá perdas bem maiores. No mercado, sempre covarde, fugindo rapidamente de ter que arcar com os custos do convívio, e ainda querendo lucrar com eles, liquefaz o patrimônio de muitos, para se salvar da doença. Todos querendo ter dinheiro na mão, ao fim, ele pouco valerá, pois de que adianta o dinheiro num carro no meio da enchente? Quanto vale o ouro no meio de um deserto seco e sem água? E de que vale ter estudado em colégios caros e saber a fórmula da água sendo arrastado pelas águas turbulentas de um rio?

O fato é que temos de nos adequar mutuamente, aceitar nossas diferenças, aprender a extrair o melhor da convivência e a evitar o pior do contato, ofensas e violência, e algumas doenças. Também o ódio deve ser evitado e combatido. Nosso destino é coletivo e não há salvamento individual, ainda que possa haver prejuízo para todos, coletivos, globais.

Naturalmente, ainda que haja problemas e dificuldades, devemos continuar a traçar nosso destino e buscar o melhor para si, sem prejudicar os demais. Não ter nem manter inimigos. A vida comum é algo que nos envolve e potencializa a todos, e o seu futuro próspero depende de nossas ações atuais. Plantamos e colhemos o semeado. Escolher a semente certa, preparar adequadamente o solo onde se enraizará a planta, e depois desfrutar com os demais sua sombra e sua fruta, é algo que fomos conquistando desde a pré-história. Ao invés de combater supostos inimigos, conviver com o diferente, aceitando a multiplicidade e sem querer eliminá-la.

O que permite nos dedicarmos a nós mesmos é haver pessoas que estão trabalhando para desfrutarmos o lazer. Depois trabalharemos para que os demais possam também desfrutar um ócio merecido, pois todos precisamos de um tempo para nos dedicarmos ao nosso aperfeiçoamento e um tempo para nos dedicarmos ao bem de todos. É algo que advém de nosso esforço para o benefício mútuo.

Das crises pode-se retirar lições ou ressentimentos. Ressentidos são aqueles que não percebem que não há culpados para além de nossas escolhas para a nossa situação. E só se tira lições quando se adquire a sabedoria de perceber que os erros ao menos ensinam o que evitar.

Doenças novas assustam a todos. De uma forma geral, as pessoas temem novidades. Quase tudo que se lança no mundo, num primeiro momento assusta, depois se entende e logo depois já não se pode viver sem. Essa nova doença em breve terá uma vacina, novos remédios, novos protocolos de atendimento médico e sanitário. É com essas pragas que aprendemos higiene; é com esse vírus que descobrimos novos medicamentos.

Não é bom que essas coisas aconteçam, mas uma vez que é inevitável e sempre estaremos suscetíveis a novas patologias, devemos tentar entender e estudar formas de evitar e mitigar os males. A história mostra que não devemos nos desesperar, pois sempre se acha a cura. O importante é ficar atento e tentar evitar a desinformação, daqueles que gostam de lançar a cizânia e mentiras para confundir o público. Nosso maior problema hoje não são as notícias falsas, mas sim as mentirosas. A falsa vem da ignorância, mas a mentira vem da má fé.

 

ROBERTO DE BARROS FREIRE é professor do Departamento de Filosofia da UFMT