Tempo esquisito esse em que vivemos, quando um vírus apaga as fronteiras nacionais, torna o planeta seu território, cientistas saem em desabalada corrida para desenvolver uma imunização, fazem isso em tempo recorde e, mesmo assim, a ciência com frequência é negligenciada ou colocada sob suspeita. Não que se espere devoção, já que o espírito científico vive do pensamento crítico. Mas um senso de realidade mais forte bem que viria a calhar.
Afinal, é a ciência que vai tirar o mundo de uma enrascada colossal. Tombo de 4,4% na economia mundial e de 9% nas exportações globais, em 2020. No Brasil, a queda do PIB está estimada em 5,8% (FMI) e a taxa de desemprego bateu em 14%. Além disso, as contas internas estão fragilizadas, com déficit nominal de R$ 1,2 trilhão (16% do PIB) e dívida pública perto de R$ 7 trilhões (93% do PIB), sob o impulso de gastos extras para aliviar os impactos da covid-19.
Ótimo que o nosso agro foi exceção nesse cenário desolador. Mas a essa altura o mundo já sabe: só com a neutralização do vírus o planeta retomará a pulsação socioeconômica que todos desejamos, dando inclusive mais sustentação aos setores que agora se saíram bem. Isso já começou a acontecer e, mais uma vez, a ciência (conhecimento) demonstra o seu papel inestimável para nossa superação histórica e existencial.
Foi um episódio notável. Cientistas chineses sequenciaram o genoma do sars-cov 2 em semanas e compartilharam a descoberta com o mundo. Em ritmo surpreendente a comunidade científica internacional desvendou origem, ação, alvos e hipóteses para neutralizar o vírus. Um ano depois a humanidade já celebra a chegada das vacinas, duas delas baseadas em uma inovação radical, a molécula conhecida como “RNA mensageiro”. Um tempo recorde em tecnologia de imunização.
Essa força da ciência todos a conhecemos bem no agro. Foi com base em tecnologia inovadora que o Brasil fez a chamada revolução agrícola tropical sustentável, no bioma do Cerrado. Com ela, a produção e a produtividade agrícolas deram saltos, veio a autossuficiência alimentar e o país tornou-se grande exportador. Hoje, responde por 16% do comércio internacional de alimentos básicos, um destaque na segurança alimentar mundial.
São dois exemplos eloquentes e há centenas de outros, talvez milhares, gerados pelo saber científico. Ciência cura, ciência alimenta. A história já comprovou e não devemos esquecer. Principalmente em momento como o atual, no qual o império das opiniões e dos “achismos” corre à solta, turbinado pelas redes sociais e confrontando a odisseia de conhecimento que trouxe o homem até aqui.
É uma onda que se comporta como se a evidência concreta, científica, tivesse menor valor para se fazer uma afirmação, do que a identidade de quem afirma. Atualmente, acontece com esquisita frequência, não só com relação à pandemia ou saúde, mas também com agricultura, alimentos, nutrição, economia e até astronomia, por incrível que pareça. Isso está cansando. Sensação de retrocesso, além de tempo e energia desperdiçados.
Coriolano Xavier