ÉPOCA
Com a bênção de Cardeal
O engenheiro gaúcho Valter Luiz Cardeal de Souza é o diretor de Planejamento e Engenharia da estatal Eletrobras, maior empresa de energia elétrica no país. Pragmático e influente, tem fama de possuir mais poder do que o cargo sugere. Empresários do setor, executivos de grandes empresas e a elite da burocracia tratam Cardeal como o “homem da Dilma”, referência às estreitas ligações políticas, profissionais e pessoais entre ele e a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Cardeal entrou para o setor público em 1971, quando se tornou funcionário da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE). Cardeal e Dilma se aproximaram durante o governo de Alceu Collares (1991-1995), quando ela era secretária de Energia do Rio Grande do Sul e ele diretor da CEEE. Desde então, ele se tornou homem de confiança de Dilma no setor elétrico. Os dois pertenceram ao PDT e, em 2001, ele a acompanhou na mudança para o PT. Dois anos depois, Cardeal chegou à Eletrobras por indicação de Dilma, ministra de Minas e Energia no início do governo Lula. Em 2007, ele ocupou interinamente a presidência da estatal, uma tentativa frustrada de Dilma para manter o controle sobre a empresa, que acabou nas mãos do PMDB. Com 59 anos, alto e falante, Cardeal costuma ser poupado nos rompantes de mau humor de Dilma nas reuniões com subalternos.
Em 2007, Cardeal foi denunciado pelo Ministério Público Federal por gestão fraudulenta e desvio de recursos com base nas descobertas da Operação Navalha, da Polícia Federal, que investigou irregularidades em obras públicas. Sob a proteção de Dilma, manteve-se apesar disso firme no governo federal. Foi presidente do Conselho de Administração de Furnas e da Eletronorte, outras duas estatais federais. Como diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobras, é responsável por projetos bilionários do sistema Eletrobras, como o programa de incentivo ao uso de energias alternativas, conhecido como Proinfa. Cardeal ainda acumula o cargo de presidente do Conselho de Administração da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), uma subsidiária da Eletrobras. Por causa desse segundo emprego, o nome de Cardeal aparece em um dos maiores escândalos da área de energia no governo Lula.
ÉPOCA teve acesso a uma ação de indenização por danos materiais e morais apresentada contra a CGTEE em agosto deste ano na 10ª Vara Cível de Porto Alegre pelo Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW) – um banco de fomento controlado pelo governo da Alemanha, uma espécie de BNDES germânico que foi criado na época da reconstrução do país depois da Segunda Guerra Mundial. Nessa ação, o KfW afirma ter evidências de que Cardeal teria conhecimento, desde o início, da emissão de garantias ilegais e fraudulentas, para que duas empresas privadas brasileiras obtivessem um empréstimo internacional no valor de e 157 milhões destinados à construção de sete usinas de biomassa de geração de energia no Rio Grande do Sul e no Paraná. Para o banco que empresta o dinheiro, essas garantias forneceriam um atestado de que, se o devedor não pagasse, alguém – no caso a CGTEE – funcionaria como fiador e arcaria com essa responsabilidade. Só que essas garantias, dadas em nome da CGTEE, violavam a Lei de Responsabilidade Fiscal, no artigo que proíbe empresas do governo de dar aval internacional a empresas privadas. Esse artigo determina que elas não podem funcionar como fiadoras nesse tipo de empréstimo. Ele foi incluído na lei para evitar o descontrole no endividamento das empresas estatais em moeda estrangeira e para impedir que o patrimônio do Estado seja colocado em risco. Todo gestor público experiente deve saber dessa proibição.
“Quando há mudança, a máquina dá uma chacoalhada”
Em seu périplo de palestrante internacional, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso falou na semana passada a mais de uma centena de empresários e executivos brasileiros, reunidos no 15o Meeting Internacional promovido pelo Lide (Grupo de Líderes Empresariais) na colombiana Cartagena. Desfiou farpas contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – “chefe de uma facção, em vez de chefe da nação”–, defendeu as privatizações de seu governo e fez uma tirada provocativa com os dois candidatos finalistas no segundo turno das eleições: “Ambos terão de se comprometer com a sustentabilidade: estão louquinhos pelos votos da Marina”. Depois respondeu a perguntas dos participantes – e foi aplaudidíssimo no Teatro Heredia.
À tarde, numa suíte de hotel improvisada em estúdio de TV, concedeu entrevistas em espanhol à emissora Caracol e ao jornal El Tiempo. A oito meses de completar 80 anos, FHC enfrenta cada questão com sua conhecida fala mansa e professoral. Por vezes, se entusiasma, principalmente quando a resposta envolve especulação intelectual. Ele discorda, por exemplo, de uma análise recente do sociólogo Gabriel Cohn. Cohn disse que não houve voto personalista no primeiro turno e que, nestas eleições, estão em jogo as políticas, não o herói que faz e desfaz. “A campanha no primeiro turno envolveu, sim, muito personalismo”, disse FHC a ÉPOCA. “Foi transferência direta do voto de Lula. Dilma não era conhecida. Se fosse só a política do Lula, seria diferente, sua candidata não teria a dificuldade que enfrenta agora.”
FHC se disse satisfeito com os novos “tom e discurso” que Serra, do PSDB, simprimiu à campanha neste segundo turno. Isso dentro dos cuidados necessários porque, segundo FHC, não se pode alterar uma linha de campanha de um momento para outro. E quanto ao PSDB? “Antes das eleições, boa parte da mídia matou o PSDB. Disse que estava liquidado”, afirma. “Mas, independentemente dos resultados do segundo turno, o partido continua forte.” E enumera os “Estados-chaves” em que venceu – como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Tocantins –, além de mais meia dúzia de outros em que tem chance de ganhar no segundo turno – como Goiás, Alagoas e Piauí. Lamenta, porém, as vozes que o partido perdeu no Senado, como Arthur Virgílio e Tasso Jereissati. Atribui isso a uma ação do presidente Lula. “Ele fez o que ninguém fez na história: foi lá e atacou diretamente o candidato. Fez telemarketing: não vote em fulano.”
Os dois estudaram economia…
O candidato tucano à Presidência, José Serra, formado em engenharia, tem mestrado e doutorado em economia pela Universidade Cornell, nos Estados Unidos. A candidata petista, Dilma Rousseff, graduou-se em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, depois foi aluna de mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Unicamp, em Campinas. A atual eleição, portanto, é uma disputa entre dois economistas.
Seria uma ótima oportunidade para o Brasil discutir como manter um patamar sustentado de crescimento e como gerar mais riqueza para a população. Seria. Porque quem ouve as palavras de Serra e Dilma na campanha tem elementos para duvidar que ambos tenham algum dia estudado economia. São tantas promessas exageradas, tantas afirmações tecnicamente absurdas, tantos discursos confusos e desconexos que o eleitor poderá – independentemente de quem vença a eleição – no mínimo passar o próximo governo se divertindo ao comparar a dura realidade do país com o mundo fantasioso desenhado pela propaganda eleitoral.
Tome, por exemplo, a área de transporte. Um dos fetiches da campanha de Dilma é o célebre trem-bala ligando o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas, projeto listado no Programa de Aceleração do Crescimento – mas ainda longe, muito longe de sair do papel. Com custo estimado em quase R$ 35 bilhões, até agora ninguém soube informar com precisão alguns dados básicos do projeto, como prazos, quantidade de estações, forma de financiamento ou fatia de participação da iniciativa privada. Mesmo assim, aliados de Dilma já chegaram a falar em ampliação do percurso, conectando Belo Horizonte e Curitiba ao traçado “original” – seja ele qual for.
Privilégio de poucos
Na véspera da eleição de 3 de outubro, a principal preocupação dos políticos era com o resultado das urnas. A da família do senador Romeu Tuma (PTB-SP) era mantê-lo vivo. Enquanto o Brasil discutia se haveria segundo turno para presidente, Tuma recebia no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, um coração artificial – dispositivo de R$ 700 mil inacessível aos 6 milhões de brasileiros que, como ele, sofrem de insuficiência cardíaca. Tuma não foi reeleito, mas driblou a morte.
A história médica do senador é conhecida. Há 12 anos ele recebeu quatro pontes de safena, depois de um infarto. Nos anos seguintes, passou a sofrer de insuficiência cardíaca, condição em que o músculo do coração não tem força para continuar bombeando o sangue. A doença era controlada com medicamentos. Em setembro, porém, eles deixaram de ser suficientes e Tuma foi internado. Três semanas depois, surgiu o boato de que teria morrido. Na semana passada, o neurologista Rogério Tuma, filho do senador, falou a ÉPOCA sobre a saúde do pai. “Durante a campanha, ele teve uma inflamação na faringe, mas não se cuidou”, diz ele. “Não comia nem tomava líquidos como deveria. Começou a ter disfunção renal. A condição do coração piorou. Estava muito fragilizado quando decidimos pela cirurgia.”
Tuma recebeu um coração artificial totalmente implantável. Foi o segundo paciente a recebê-lo no Brasil (o primeiro morreu em 2008, um dia depois da cirurgia). Deverá usá-lo para sempre. O aparelho é colocado ao lado do coração para ajudá-lo a bombear o sangue (leia o quadro abaixo). Chama-se Incor e é fabricado pela empresa alemã Berlin Heart. Quem o distribui no Brasil é a empresa Neurotechs. O preço de R$ 700 mil inclui o coração e a vinda de um médico e um engenheiro alemães que acompanham a cirurgia. Rogério Tuma diz não saber quanto custou o tratamento porque a conta ainda não foi fechada. De qualquer forma, a família não terá de pagar. O senador tem tratamento gratuito porque faz parte de uma elite de cerca de 400 brasileiros cujos gastos elevados em saúde são pagos pelo Senado Federal. São os 81 senadores, seus dependentes – marido ou mulher e filhos até 24 anos que estiverem na universidade – e ex-senadores com direito ao plano de saúde do Senado. O plano tem regras simples e claras. Os senadores não pagam nada. Para ter acesso a ele, é preciso ter exercido o mandato por pelo menos seis meses. Não há limite de gastos para eles e seus dependentes. Há uma rede credenciada, mas os senadores podem buscar atendimento onde quiserem, mediante autorização do Senado. Nesse caso, eles pagam, e o Senado faz o reembolso. Só precisam se preocupar com as despesas “psicoterápicas” e odontológicas, que não podem ultrapassar R$ 25.998,96 anuais. Neste ano, o Senado gastou R$ 32 milhões com despesas médicas.
Aécio Neves: "Serra é um projeto de Brasil"
Os momentos finais da campanha do primeiro turno foram de enorme pressão psicológica e emocional para o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, do PSDB. Além da ansiedade natural que a eleição provoca e do enorme assédio que sofre por liderar um colégio estratégico, Aécio perdeu o pai exatamente no dia de sua eleição como senador. “Foi inesperado, muito triste”, disse a ÉPOCA por telefone. “Mas agora precisamos pensar no futuro do Brasil e em Serra presidente.” Nesta entrevista, ele conta como está trabalhando para ajudar seu candidato.
ÉPOCA – Qual é sua estratégia para virar o jogo em favor de Serra em Minas Gerais?
Aécio Neves – Já há um movimento silencioso a favor de Serra, não só em Minas mas em outras partes do Brasil, por uma certa desconfiança do eleitor sobre quem é e o que pretende Dilma. Agora, sem contaminação de outras eleições, boa parte de quem votou em mim, Itamar e Anastasia deve votar, a meu ver, em Serra.
ÉPOCA – Por que o mineiro que votou em Dilma no primeiro turno mudaria seu voto?
Aécio – Brasileiros que votaram no primeiro turno em Dilma veem com indignação como o PT vem se comportando e estão se sentindo inseguros com as denúncias. O voto de Minas vale como o do Nordeste, onde precisamos diminuir as diferenças. E, claro, em São Paulo, onde precisamos avançar. O que está acontecendo de diferente em Minas é a grande movimentação nas bases políticas. Partidos como PSB, PTB e PR, que estavam condicionados à aliança nacional com a Dilma, agora estão mais livres.
ÉPOCA – Quais são seus principais argumentos políticos para que a chapa “Dilmasia” passe a ser “Serrasia”?
Aécio – O “Dilmasia” não era uma defecção de nossos prefeitos. O que havia era uma aliança muito ampla, com partidos coligados oficialmente com a Dilma. Eles não podiam trair essa aliança. Mas conseguimos neutralizar a oposição no governo estadual e no Senado. Os deputados não estão mais em campanha. E há uma vinculação maior do prefeito com o governador. O presidente da República é uma figura mais virtual. Em Minas, mais de 60% deram a vitória ao Anastasia. É um sentimento favorável ao PSDB. Sem candidaturas de partidos, é natural que a força do governador prevaleça.
Esta não estava no programa
Desde o começo deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apostou tudo em uma vitória no primeiro turno de sua candidata à Presidência, a petista Dilma Rousseff. Lula conseguiu tirar do páreo o deputado Ciro Gomes, que pretendia ser candidato pelo PSB. Fez com que petistas desistissem de candidatura própria em diversos Estados, para ter o apoio do PMDB. Em relação à Lei Eleitoral, Lula correu no fio da navalha. Chegou a ser multado pela Justiça por fazer campanha antecipada para Dilma.Tudo parecia correr conforme o planejado até a frustração do projeto de Lula, causada em grande parte pela grande votação da candidata do PV, Marina Silva.
Com a necessidade de disputar o indesejável segundo turno – temido pelos petistas desde o início por favorecer a estratégia do candidato do PSDB, José Serra, de realçar uma comparação entre as biografias dos dois candidatos –, a campanha de Dilma está agora sob pressão. As pesquisas fornecem a explicação para a fase de instabilidade na campanha petista. Os levantamentos divulgados na semana passada mostram uma tendência de aproximação entre Dilma, em queda, e Serra, em alta (leia o quadro) . Desde que foi lançada candidata, Dilma sempre esteve em alta. Pela primeira vez, ela e o PT têm de lidar com o fato de sua candidatura estar em tendência de queda, a duas semanas do desfecho das eleições.
É uma novidade que está deixando os petistas desnorteados. Na semana passada, o clima ficou ruim entre os coordenadores da campanha de Dilma. Durante uma reunião em Brasília, o deputado Antonio Palocci (PT-SP) e o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, tiveram uma áspera discussão sobre a estratégia a ser seguida. Franklin e Palocci defendiam caminhos divergentes. Franklin advogava uma estratégia mais agressiva contra os tucanos, enquanto Palocci era contrário ao tom. Palocci é um dos mais poderosos coordenadores da campanha de Dilma, bancado pelo presidente Lula. Franklin teve mais poder no começo da campanha.
ISTOÉ
O poderoso Paulo Preto
Como candidato à Presidência da República, José Serra deve explicações mais detalhadas à sociedade brasileira. Elas se referem a um nome umbilicalmente ligado à cúpula do PSDB, mas de pouca exposição pública até dois meses atrás: Paulo Vieira de Souza, conhecido dentro das hostes tucanas como Paulo Preto. Desde que a candidata do PT, Dilma Rousseff, pronunciou o nome de Paulo Preto no debate realizado pela Rede Bandeirantes no domingo 10, Serra se viu envolvido em um enredo de contradições e mistério do qual vinha se esquivando desde agosto passado, quando ISTOÉ publicou denúncia segundo a qual o engenheiro Paulo Souza, ex-diretor da estatal Dersa na gestão tucana em São Paulo, era acusado por líderes do seu próprio partido de desaparecer com pelo menos R$ 4 milhões arrecadados de forma ilegal para a campanha eleitoral do PSDB. Na época, a reportagem baseou-se em entrevistas, várias delas gravadas, com 13 dos principais dirigentes tucanos, que apontavam o dedo na direção de Souza para explicar a minguada arrecadação que a candidatura de Serra obtivera até então. Depois de publicada a denúncia, o engenheiro disparou telefonemas para vários líderes, dois deles com cargos no comando da campanha presidencial, e, apesar da gravidade das acusações, os tucanos não se manifestaram, numa clara opção por abafar o assunto. O próprio presidenciável Serra optou pelo silêncio. Então, mesmo com problemas de caixa e reclamações de falta de recursos se espalhando pelos diretórios regionais, o PSDB preferiu jogar o assunto para debaixo do tapete.
No debate da Rede Bandeirantes, Serra mais uma vez silenciou. Instado por Dilma a falar sobre o envolvimento de Paulo Preto no escândalo do sumiço da dinheirama, não respondeu. Mas o pavio de um tema explosivo estava aceso e Serra passou a ser questionado pela imprensa em cada evento que participou. E, quando ele falou, se contradisse, apresentando versões diametralmente diferentes em um período de 24 horas. Na segunda-feira 11, em Goiânia (GO), em sua primeira manifestação sobre o caso, o candidato do PSDB negou conhecer o engenheiro. “Não sei quem é o Paulo Preto. Nunca ouvi falar. Ele foi um factoide criado para que vocês (jornalistas) fiquem perguntando.” A declaração provocou uma reação imediata. Na terça-feira 12, a “Folha de S.Paulo” publicou uma entrevista em que o engenheiro, oficialmente um desconhecido para Serra, fazia ameaças ao candidato tucano. “Ele (Serra) me conhece muito bem. Até por uma questão de satisfação ao País, ele tem que responder. Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam este erro”, disparou Paulo Preto. Serra demonstrou ter acusado o golpe. Horas depois da publicação da entrevista, em evento em Aparecida (SP), o candidato recuou. Com memória renovada, saiu em defesa do ex-diretor do Dersa. Como se jamais tivesse tratado deste assunto antes, Serra afirmou: “Evidente que eu sabia do trabalho do Paulo Souza, que é considerado uma pessoa muito competente e ganhou até o prêmio de engenheiro do ano. A acusação contra ele é injusta. Ele é totalmente inocente. Nunca recebi nenhuma acusação a respeito dele durante sua atuação no governo”. Aos eleitores, restou uma dúvida: em qual Serra o eleitor deve acreditar? Naquele que diz não conhecer o engenheiro ou naquele que elogia o profissional acusado pelo próprio PSDB de desviar R$ 4 mihões da campanha? As idas e vindas de Serra suscitam outras questões relevantes às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais: por que o tema lhe causou tanto constrangimento? O que Serra teria a temer para, em menos de 24 horas, se expor publicamente emitindo opiniões tão distintas sobre o mesmo tema?
Mau perdedor
Um dos princípios das artes marciais é evitar a ida ao ataque e utilizar a força do adversário para derrubá-lo. Faixa preta de jiu-jítsu, o senador amazonense Arthur Virgílio (PSDB) parece que não aprendeu essa lição e se caracteriza por sempre atacar seus oponentes. Suas atitudes nas últimas semanas mostram que o senador tucano também não aprendeu a perder. Derrotado na eleição por Eduardo Braga (PMDB) e Vanessa Grazziotin (PCdoB), Virgílio tenta agora retomar o mandato no tapetão. Quer continuar a atacar. Ele acusa os dois eleitos de terem comprado votos e busca no Ministério Público uma porta para reaver o posto. Na sexta-feira 8, Virgílio chegou à sede do MP em Manaus com sete eleitores, que dizem ter tido seus votos comprados. Eles apresentaram ao Ministério Público cartões do Bradesco com saldo de R$ 600, que seriam a prova dos pagamentos. O problema é que os cartões nada provam e Virgílio poderá ainda ser enquadrado por coação de testemunhas.
O mesmo Ministério Público que ouviu as denúncias já sabe que os denunciantes foram levados de Parintins para Manaus em dois voos fretados da Manaus Aerotáxi. O pagamento do fretamento foi feito por Virgílio e sua esposa, Goreth Ribeiro. “Ele está desesperado e trouxe esse pessoal para forjar denúncias”, diz o ex-governador Eduardo Braga. Três eleitores prestaram depoimentos absolutamente iguais. Disseram ter recebido um cartão do Bradesco com R$ 600, como se tivessem trabalhado nas campanhas de Braga e Vanessa, mas não trabalharam. ISTOÉ telefonou para os celulares dos sete eleitores que prestaram depoimento, mas o único que atendeu a ligação foi Antônio Carlos Rodrigues Assis. “Fui orientado a não falar”, respondeu. A senadora eleita Vanessa Grazziotin também atribui a trama ao desespero do derrotado. “O Arthur está doido. Ele quer o mandato dele de volta de qualquer jeito”, diz. A campanha eleitoral, segundo ela, seguiu orientação do Ministério Público no Amazonas para que os candidatos firmassem contratos de trabalho com as equipes de campanha. Cada cabo eleitoral recebeu um cartão Bradesco para sacar o salário pago pela coligação. Vanessa explica que, além do cartão, o MP orientou que as equipes recebessem protetor solar, alimentação e transporte. Acusado nos depoimentos, o empresário Abrahim Calil Nadaf Neto, dono do sistema de pagamentos por cartão, ameaça processar Arthur Virgílio por calúnia. “Não houve compra de votos, os cartões eram para pagamento de salários. Todas as pessoas tinham contrato de prestação de serviços com os candidatos”, diz Nadaf. O Ministério Público informou que o inquérito corre sob sigilo. Tudo indica que Arthur Virgílio, rejeitado nas urnas, também será derrotado na Justiça.
CARTA CAPITAL
Quem é Paulo Preto
Na noite do domingo 10, ao fim do primeiro bloco do debate da TV Bandeirantes, o mais acalorado da campanha presidencial até agora, cobrada pelo adversário tucano José Serra sobre as denúncias contra a ex-ministra Erenice Guerra, a petista Dilma Rousseff revidou: “Fico indignada com a questão da Erenice. Agora, acho que você também deveria responder sobre Paulo Vieira de Souza, seu assessor, que fugiu com 4 milhões de reais de sua campanha”. Serra nada disse – ou “tergiversou”, como acusou a adversária durante todo o encontro televisivo –, e o País inteiro ficou à espera de uma resposta: quem é Paulo Vieira de Souza?
Numa eleição em que o jornalismo dito investigativo só atuou contra a candidata do governo, Dilma Rousseff serviu como “pauteira” para a imprensa. O pauteiro é quem indica quais reportagens devem ser feitas – e, se não fosse por causa de Dilma, Vieira de Souza nunca chegaria ao noticiário. Nos dias seguintes ao debate, finalmente jornais e tevês se preocuparam em escarafunchar, mesmo sem o ímpeto habitual quando se trata de denúncias a atingir a candidatura governista, um escândalo que envolvia o tucanato. A acusação contra Vieira de Souza, vulgo “Paulo Preto” ou “Negão”, apareceu pela primeira vez em agosto, na revista IstoÉ.
No texto, que obviamente teve pouquíssima repercussão na época, o engenheiro Paulo Preto era apontado como arrecadador do PSDB e acusado pelos próprios tucanos de sumir com dinheiro da campanha. “Como se trata de dinheiro sem origem declarada, o partido não tem sequer como mover um processo judicial”, dizia a reportagem, segundo a qual o engenheiro possuía relações estreitas com as empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS, Mendes Júnior, Carioca e Engevix.
Pandora inesgotável
Em 27 de novembro de 2009, o delegado Wellington Soares Gonçalves, da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, deu uma batida no gabinete de Fábio Simão, então chefe de gabinete do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do DEM. A ação, autorizada pelo ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fazia parte da Operação Caixa de Pandora, realizada em conjunto com o Ministério Público Federal, responsável pela desarti-culação de uma quadrilha montada no governo local movida a corrupção pesada e farta distribuição de propinas.
Na sala de Simão, a equipe de policiais federais encontrou um CD com a seguinte inscrição: “Dist. De Dinh. Da Qualy, 8/10/2005”. Levado à perícia, o disco se revelaria um indício comprometedor contra dois dos principais líderes da oposição no Congresso Nacional, os senadores Agripino Maia, do DEM do Rio Grande do Norte, e Sérgio Guerra, do PSDB de Pernambuco. Guerra ocupa também a presidência nacional do partido e coordena a campanha de José Serra à Presidência.
Feita a análise pela Divisão de Contra-inteligência da PF, descobriu-se que o CD possuía um único e extenso arquivo de áudio e vídeo, de 42,4 megabytes, com 46 minutos e dois segundos de duração. Nele estava registrada a conversa entre um homem não identificado e uma mulher identificada apenas como Dominga.
O tempo, como invenção do homem
Questão levantada por Dilma Rousseff no debate de domingo 10 na Band merece reflexão. Observou a candidata que a campanha eleitoral tucana estimulou um sentimento insólito no Brasil, o ódio. Há brasileiros e brasileiros. Os privilegiados e seus reservas, e os desvalidos em estágios diversos. As diferenças sociais são ainda profundas, a despeito de alguns avanços realizados à sombra de Lula.
A maioria brasileira não é capaz de ódio, mas sua característica mais pronunciada é a resignação. Já o ódio tem ibope elevado na minoria, aquele resistentemente alimentado em relação à maioria. O sulista feliz da vida enquanto mantém sua primazia e o remediado confiante em um futuro favorável à moda dos atuais privilegiados odeiam o nortista pobre. Incluam-se os miseráveis em qualquer latitude.
A frequentação da internet nestes dias ilumina a respeito, embora cause devastação na zona miasmática situada entre o fígado e a alma dos cidadãos conscientes e responsáveis. Colidimos com ferozes manifestações de ódio, insufladas pela mídia nativa, movida ela própria, ela antes dos seus leitores, ouvintes, espectadores, a puro ódio. Em outros tempos, chamava-se ódio de classe. Mas hoje os tempos são outros.
Há inúmeras décadas a mídia nativa, instrumento nas mãos da chamada elite (elite?) porta-se da mesma maneira. Desembainha os mesmos argumentos. Desde a oposição a Getúlio Vargas democraticamente eleito, a resistência à posse de Juscelino, a manipulação constitucional para que João Goulart substituísse o renunciatário Jânio ao aceitar a imposição do parlamentarismo, enfim, o golpe de 1964 e o golpe dentro do golpe de 1968. Até a rejeição da campanha das Diretas Já, a eleição indireta de 1985, a posse anticonstitucional de José Sarney, a eleição de Fernando Collor no seu papel de antídoto ao Sapo Barbudo
Fonte: revistassemanais