POLÍTICA

Manchetes das revistas de circulação nacional

A RENDIÇÃO DO ÚLTIMO CORONEL
O senador José Sarney lutou muito, mas não conseguiu vencer os fatos. Ao decidir disputar a presidência do Senado, em fevereiro passado, acreditava que o cargo era uma garantia de imunidade para ele e a família – àquela altura já investigada pela Polícia Federal por suspeita de uma multiplicidade de crimes. A visibilidade, porém, teve efeito contrário e acabou colocando o mais longevo dos políticos brasileiros no centro de uma devastadora crise no Congresso. José Sarney, o último dos coronéis, rendeu-se diante de tantos escândalos. Na semana passada, o senador disse ao presidente Lula que está cansado e que resolveu deixar o cargo.

"Não aguento mais. Vou negociar uma saída", afirmou, de acordo com um interlocutor privilegiado do presidente. A conversa aconteceu na segunda-feira, pelo telefone, quando Lula ligou para saber notícias sobre o estado de saúde de Marly Sarney, esposa do presidente do Senado, que se recupera de uma cirurgia em São Paulo. Sarney, de acordo com o relato feito por Lula, estava abatido, disse que não conseguia dormir havia dias e se culpava pelo estado de saúde da mulher, que sofrera um acidente doméstico, fraturando o braço e o ombro.
Nos às vezes tortuosos códigos da política, desabafos como o do senador Sarney podem ser interpretados como um simples blefe, uma ameaça velada ou até chantagem de alguém em busca de proteção. Não é o caso. Desde o início da crise, Lula se empenhou pessoalmente na defesa de Sarney, sem nenhum pudor, a ponto de causar constrangimentos ao seu partido, quando desautorizou publicamente o líder do PT, senador Aloizio Mercadante, que havia pedido o afastamento do presidente do Congresso.
Depois da conversa telefônica com José Sarney, porém, Lula mudou completamente o tom. Antes disposto a sacrificar um pouco da própria popularidade em troca de um punhado de votos no Congresso e de uma provável aliança com o PMDB na campanha eleitoral de 2010, o presidente vislumbrou a hora de mudar o discurso. Sarney? "Não é um problema meu.

Não votei para eleger Sarney presidente do Senado, nem para senador. Votei nos senadores de São Paulo. Quem tem de decidir se ele fica presidente é o Senado", disse Lula em entrevista, recolhendo a bola. Jamais, portanto, poderá ser acusado de ter associado sua credibilidade à tentativa de manter no cargo um presidente do Congresso envolvido em nepotismo, desvio de dinheiro, contas no exterior… E, daqui a alguns dias, Lula pode, quem sabe, invocar até uma conveniente crise de amnésia: Sarney? Que Sarney?…
O presidente, o PMDB e seus aliados já começaram a discutir o futuro do Senado pós-Sarney, mas muito distante daquele que deveria ser o ponto de partida. Lula, por exemplo, está preocupado com questões mais práticas, como a sucessão. Trabalha para que Sarney renuncie, o que obrigaria o Senado a convocar novas eleições em cinco dias, evitando que a Casa ficasse sob o comando do vice-presidente, Marconi Perillo, do PSDB. O PMDB, republicano como sempre, quer continuar com a presidência, mas tem dificuldades em encontrar um candidato que seja da absoluta confiança do partido e que tenha a ficha limpa – missão aparentemente impossível. Sarney é o quarto político que presidiu o Senado nos últimos dez anos a cair em desgraça. Antes dele, Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho e Renan Calheiros passaram por processos idênticos, o que mostra que o problema principal nunca foi enfrentado. "O Senado vive uma crise institucional provocada pela falta de ética, pela complacência com o uso indevido dos recursos públicos e pela falta de transparência", analisa o cientista político Lúcio Rennó, da Universidade de Brasília. "Não adianta apenas mudar os nomes. É necessária uma mudança radical nas práticas." A questão é que isso não interessa a quem deveria promover as mudanças – e os escândalos envolvendo o senador José Sarney explicam por quê.
A família Sarney sempre teve um apreço especial pelo setor energético, feudo do clã há pelo menos duas décadas. Além de dividendos políticos, o controle do setor proporciona outras vantagens. A Fundação José Sarney, criada pelo senador no Maranhão, é acusada de desviar dinheiro de um convênio com a Petrobras. O Instituto Mirante, ONG presidida pelo filho-problema Fernando Sarney, recebeu recursos da Eletrobrás para financiar projetos culturais no estado – parte desviada para contas de empresas da família.

Fernando Sarney é o mesmo empresário que fez bons negócios na década de 80 vendendo postes de luz à estatal de energia do Maranhão ao mesmo tempo em que presidia a empresa por indicação do pai. A incursão mais recente e enrolada dos Sarney no campo energético ocorreu em Santo Amaro, no interior do estado. Lá, a Petrobras descobriu um manancial de gás natural. Há três anos, com a valorização do gás no mercado internacional, a Agência Nacional do Petróleo decidiu licitar a área para exploração. Antes que isso acontecesse, porém, o senador José Sarney tomou posse do local. Tomou posse, explique-se, porque há indícios de que houve grilagem de terras e estelionato – tudo coincidentemente conjugado com decisões de órgãos federais do setor energético comandados por pessoas ligadas a Sarney.
Só lá Sarney é santo
"Maranhenses desconfiam da ida do homem à Lua", anunciava, no dia 20 passado, uma manchete no site da TV Mirante. A afiliada da Rede Globo pertence ao grupo de comunicações da família do senador José Sarney (PMDB). O conglomerado inclui as principais retransmissoras de TV do estado, quase duas dezenas de estações de rádio e o jornal diário de maior circulação, O Estado do Maranhão. Nas últimas semanas, todo esse aparato de comunicação – com uma forcinha de afiliadas locais do SBT ligadas ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão – dedica-se a esconder dos maranhenses os rolos de José Sarney com nepotismo, conta no exterior, desvio de dinheiro público e tráfico de influência. É mais fácil acreditar que o homem nunca pisou na Lua.

O Estado do Maranhão vai às bancas com uma versão peculiar da realidade. Nela, Sarney é uma espécie de santo martirizado pela "mídia paulista", pela oposição no Congresso, pelo Ministério Público e pelas pessoas que vazaram as gravações telefônicas, feitas pela Polícia Federal, entre o senador e seus parentes. O jornal diz que tudo não passa de manipulação política e pede rigor na investigação de quem passou os grampos à imprensa. Quando não dá para ser ainda mais servil, O Estado simplesmente muda de assunto. Sempre que possível, as manchetes exaltam as manifestações de apoio a Sarney, para passar a impressão de que toda a população maranhense é unânime na crença de que o político é vítima de uma campanha para tirá-lo da presidência do Senado e, assim, atingir o governo Lula. VEJA tentou entrevistar o diretor do jornal, Ribamar Corrêa. Mas ele se negou a falar.
No Maranhão, 90% dos meios de comunicação do estado estão nas mãos de grupos políticos. Infelizmente, não se trata de exceção. Fora dos grandes centros econômicos do Sul e do Sudeste, praticamente inexiste uma imprensa regional independente e isenta. Estima-se que quase três centenas de governadores, prefeitos e parlamentares sejam donos de veículos de comunicação no Brasil. E o que é pior: a Constituição não permite que deputados federais e senadores sejam sócios de empresas concessionárias de serviço público. Ou seja, eles são proibidos de ter rádios e TVs, sob o risco de perderem o mandato. A regra é ignorada sem solenidade. Quando muito, os políticos colocam as empresas no nome de parentes e laranjas ou assinam um termo "licenciando-se" da gestão de seus negócios de comunicação. Como se isso evitasse que o conteúdo do noticiário obedecesse a seus interesses. Dos oitenta deputados federais e senadores com outorgas de rádio e TV, dois terços são das regiões Norte e Nordeste.
No Maranhão, as empresas dos Sarney e de Edison Lobão não são as únicas controladas por políticos. O grupo detentor das afiliadas da Rede Record e de algumas emissoras de rádio tem entre seus sócios o deputado federal Roberto Rocha (PSDB), inimigo dos Sarney. Na disputa pelo posto de o segundo maior jornal em São Luís estão O Imparcial, dos Diários Associados, um grupo nacional sem ligação direta com políticos locais, e o Jornal Pequeno, alinhado com qualquer liderança que se oponha aos Sarney.

Em ambos, noticiam-se os escândalos recentes. Incapaz, portanto, de controlar todas as informações que chegam aos seus súditos, Sarney contratou uma equipe de quinze jornalistas recém-formados para inundar a internet – principalmente sites e blogs do Maranhão – com comentários positivos a seu respeito. Em outra tentativa de contrapor-se ao inevitável, na última sexta-feira, em seu artigo semanal na Folha de S.Paulo, o senador reclamou da falta de uma "lei de responsabilidade da mídia" e se diz vítima de "tortura moral". É mesmo como acreditar que o homem não foi à Lua.
Vacilou, dançou
O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, do PDT, impôs uma dura derrota à oposição. O centro da disputa foi o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), abastecido com dinheiro de impostos e controlado por um conselho deliberativo que inclui governo, sindicatos de empresários e de trabalhadores. Por um acordo de cavalheiros, a presidência do conselho é rotativa: cada bloco passa dois anos no comando. Até a semana passada, quem dava as cartas no FAT eram os trabalhadores, mais especificamente a Força Sindical, central vinculada ao ministro Lupi. No próximo biênio, o controle caberia aos empresários. As quatro maiores associações patronais – as confederações da indústria (CNI), da agricultura (CNA), do comércio (CNC) e do sistema financeiro (Consif) – se articularam para escolher um nome. Decidiram deixar a indicação para a CNA, presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO). Só que excluíram das negociações duas outras associações patronais, a de serviços (CNS) e a de turismo (CNTur). Aí, abriram uma brecha para que Lupi os derrotasse.
O presidente da CNS, Luigi Nese, havia se candidatado a presidente do conselho, mas não foi levado a sério pelas outras confederações por ser um novato: a instituição que ele preside não tem um ano de vida e só ingressou no conselho do FAT em abril. "Quando eu disse que queria disputar a indicação, responderam que ‘pato novo não pia’. Um desrespeito", diz Nese. Ele, então, recorreu a Lupi. O ministro anteviu a oportunidade de dar um tombo na senadora Kátia Abreu, aguerrido nome da oposição, e prometeu apoio a Nese. Munido da bênção oficial, cabalou votos nas centrais sindicais. No dia da eleição, nadou de braçada: elegeu-se com o apoio do ministro e dos sindicatos. "O que aconteceu foi consequência da postura hostil e raivosa que a senadora Kátia Abreu e o DEM mantêm em relação ao governo e às centrais sindicais", diz Lupi.
Época
"Lula enfraquece o Congresso"
O ex-presidente Itamar Franco não dispensa uma caneta. Itamar tem o hábito de rabiscar seus raciocínios de forma esquemática enquanto fala. Durante entrevista de mais de uma hora a ÉPOCA, Itamar preencheu meia dúzia de folhas. Nelas, estavam esquemas para entender suas críticas contundentes ao comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à postura do Senado diante da crise e a atitudes do senador José Sarney (PMDB-AP). Presidente do conselho de administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, Itamar ingressou há menos de um mês no PPS, depois de três anos sem partido – mas diz não ser candidato a nada. “Eu estava na arquibancada e via o jogo um pouco de longe”, diz. “Resolvi ir para o banco de reservas, ver o jogo mais de perto.”
ÉPOCA – O que o senhor acha da situação do Senado hoje?
Itamar Franco – Eu acho que há um erro básico na questão: esse comportamento do Legislativo, particularmente do Senado, de recorrer ao presidente (da República). O Legislativo se diminui ao procurar o presidente para resolver suas questões. As questões do Legislativo têm de ser resolvidas internamente. Eu vou dar um exemplo: quando eu era presidente, houve a CPI do Orçamento (1993). Quando a crise estava no auge, alguns parlamentares – só me permita apenas não dizer os nomes; eu sei de todos aqueles que foram lá – foram ao presidente, que era eu, e pediram – veja só – que fechasse o Congresso.
ÉPOCA – O que o senhor disse a eles?
Itamar – Eu disse a eles o seguinte: “Eu sei que a crise é séria, os senhores que estão lá dentro sabem melhor que eu, mas, por favor, resolvam seus problemas lá. Não somos nós, que estamos aqui eventualmente no Executivo, que vamos cometer um ato de quebra do estado de Direito fechando o Congresso. O problema do Legislativo quem resolve é o Legislativo, não o Executivo”.
ÉPOCA – Qual era a intenção deles?
Itamar – Quando eles chegaram para falar comigo – não foi nem um, nem dois, nem três, foi um número razoável de pessoas, não eram apenas parlamentares –,entendiam que o Legislativo estava muito desagregado em seu aspecto democrático. E, como tal, ensejava que a opinião pública dissesse “Para que Legislativo? Para que Congresso?”. E aí a similitude (com a situação atual): você escuta muitas vezes aí o sujeito dizendo: “Para que o Senado? Para que nós vamos ter essa Casa?”. A opinião pública se situa, não numa maneira ordenada, mas ela é sensível a certos acontecimentos. Então, eu volto a dizer que houve esse erro (do Senado) em procurar o presidente da República. O presidente da República não tem nada a ver com os problemas do Legislativo. E o Senado se enfraqueceu com essa tentativa do presidente de dar cobertura ao Senado.
ÉPOCA – Foi o presidente do Senado, José Sarney, quem tomou a iniciativa de se escorar no presidente Lula, ao afirmar que era vítima de denúncias da oposição porque apoiava o presidente. Ele errou?
Itamar – Não é fácil para mim falar do presidente Sarney. Mas eu posso achar. Eu acho que – e eu não tenho nada contra o presidente Sarney, quero deixar claro – ele cometeu o erro de ser candidato (a presidente) do Senado e cometeu outro erro, de ir ao presidente da República. Um homem com a experiência dele, que conhece o Congresso – diferentemente do presidente da República –, nunca deveria ter procurado o presidente Lula. Acho que ele se enfraqueceu.
ÉPOCA – Por quê?
Itamar – Porque supostamente os Três Poderes são harmônicos, mas são independentes, como manda a Constituição e a tradição democrática. No momento em que este vai a este (risca um esquema no papel, para representar os Três Poderes), ele se enfraquece, se submete. E, quando o Legislativo fica submisso ao Executivo, é ruim para a democracia. O Executivo deveria ter rejeitado imediatamente essa tentativa do Senado. Mas o presidente da República não conhece a história do Legislativo. Se ele conhecesse bem a história do Legislativo brasileiro, veria que tem seus altos e seus baixos, mas teve e tem grandes parlamentares que, ao longo da história, defenderam o Legislativo em ocasiões muito difíceis. A história do Legislativo é rica. O presidente não conhece essa história. A única coisa que fica é: por que ele quer o enfraquecimento do Legislativo?
ÉPOCA – Por quê?
Itamar – Primeiro, o presidente foi um parlamentar obscuro. Como parlamentar, ele qualificou que lá havia 300 e tantos picaretas. Esquecendo que ele também estava lá… Se fossem 300, 300 mais um com ele? Como a pessoa não conhece a história democrática do país… O presidente Lula mudou muito seu comportamento de 2002 para cá. Ele não tem a mínima consideração pelo Legislativo. Quando o presidente tenta impedir uma CPI, como foi a CPI da Petrobras, é outra interferência indevida. No regime militar, em 1975, havia uma questão tão importante para o presidente (Ernesto) Geisel quanto a Petrobras hoje: era o acordo nuclear (do Brasil com a Alemanha). Numa proposta do então senador Paulo Brossard, criou-se uma CPI para examinar o acordo. E a CPI não foi impedida – apesar de ser um regime militar. E era igualzinho hoje: nós éramos três senadores da oposição e oito do governo. E mais ainda: se permitiu que um senador de oposição, coincidentemente eu, presidisse a CPI. Aqui, não. Com um erro que nem os militares fizeram: o presidente e o relator (da CPI da Petrobras) são do governo. Quando o presidente não respeita o Legislativo, ele interfere.
ÉPOCA – O que o presidente pode provocar ao interferir no Legislativo?
Itamar – O presidente Luiz Inácio quer desmoralizar o Legislativo perante a opinião pública. Os senadores de oposição não estão percebendo que é muito mais grave do que um bate-boca de criar ou não uma CPI, de ir ao presidente pedir cobertura para este ou aquele caso. Ao interferir no Congresso, o presidente traz de volta uma discussão que a gente havia muito tempo não tinha, de ouvir nas ruas: “Para que Congresso?”. A mesma coisa que eu ouvi na minha época. E sobretudo com a popularidade que está o presidente. E ele faz com um viés de certa esperteza. Interessa ao presidente enfraquecer o Congresso, interessa ao presidente desmoralizar o Congresso. Quando o presidente chama os senadores de “pizzaiolos”, isso é realmente muito grave. E os congressistas não estão reagindo à altura. O presidente ultrapassa os limites democráticos
Da redação com informações do site “Congresso em Foco”

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