23.3 C
Rondonópolis
sexta-feira, novembro 22, 2024

Juristas avaliam que houve crime eleitoral em atos de Bolsonaro

Integrantes de tribunais superiores, do MPF (Ministério Público Federal), da PGR (Procuradoria Geral da República), e especialistas em direito eleitoral avaliam que os atos de 7 de Setembro realizados ontem (07) em Brasília e no Rio de Janeiro podem configurar abuso de poder político e econômico. Essa são práticas eleitorais irregulares que podem levar à cassação da chapa presidencial de Jair Bolsonaro (PL) e à perda de mandato. Procurada, a campanha de Bolsonaro ainda não se manifestou a respeito.

Ouvidos pela reportagem do portal UOL, juristas, procuradores e advogados avaliaram que os eventos institucionais da Independência se tornaram atos de campanha política, apesar de tentativas do presidente de tentar separá-los durante o dia.

Um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) destacou que Bolsonaro nem sequer focou na comemoração pelo Bicentenário da Independência em seus discursos.

"Tem sempre essa nuance. Ele misturou as atividades", disse, em caráter reservado. "A defesa vai ser a celebração de 7 de Setembro, embora ele nem tenha falado disso", acrescentou.

De fato, Bolsonaro ignorou a comemoração do Bicentenário em seu discurso em Brasília e no Rio. O presidente da República usou o palanque para tratar de bandeiras de sua campanha à reeleição, como a proibição ao aborto e o combate à ideologia de gênero, e fazer ataques à imprensa, à esquerda e ao MST (Movimento dos Sem-Terra), por exemplo.

O entendimento dos juristas é que, se ficar comprovado que Bolsonaro usou meios do governo para convocar os atos e transformar um evento público em comício eleitoral, ele poderia ser punido pelo crime de abuso de poder político. E, se usou a estrutura do Estado para financiar deslocamentos e transmitir esse evento pela televisão pública, isso poderia ser configurado como abuso de poder econômico.

"Às vezes os dois andam juntos", disse o ministro do Supremo.

A posição se assemelha à de um ministro e um ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também ouvidos pelo UOL. Ambos afirmam que o presidente pode ter cometido abuso de poder político e poderia responder pelos atos na Corte Eleitoral.

Ex-presidente do STF, Carlos Ayres Britto afirmou ao UOL que o discurso de Bolsonaro transformou o desfile de 7 de Setembro em um palanque político com ataques à democracia e ao sistema eleitoral.

“A Constituição resultou estapeada nesse discurso. Quem elaborou a Constituição não foi um governo, foi a nação brasileira. Não há chefe da nação. A nação é que é chefe de todo mundo", explicou Carlos Ayres Britto.

ILEGAL
O abuso de poder político e o abuso de poder econômico são duas condutas consideradas ilegais pela Justiça Eleitoral que podem levar à inelegibilidade de um candidato por até oito anos, além da perda do mandato e a cassação da chapa eleitoral.

Apesar de semelhantes, as duas práticas têm diferenças:

  • Abuso de poder político ocorre quando o candidato utiliza de sua posição de poder para influenciar o eleitor por meio de sua autoridade.
  • Abuso de poder econômico consiste na utilização excessiva de recursos financeiros em prol de uma candidatura, partido ou coligação que possa provocar desigualdade entre os candidatos e desbalancear a disputa.

Tanto o Ministério Público como as candidaturas adversárias podem apresentar ações — União Brasil e Rede afirmaram que vão acionar o TSE — para apontar supostos abusos cometidos por Bolsonaro. Este tipo de processo fica sob a relatoria do corregedor-geral eleitoral, posto ocupado atualmente pelo ministro Benedito Gonçalves.

Para integrantes do MPF e da PGR ouvidos pela reportagem, Bolsonaro poderia ser enquadrado pelos crimes de abuso de poder político ao utilizar o ato cívico de 7 de Setembro a favor de sua própria campanha, incluindo a participação de servidores do governo.

O abuso de poder econômico, por sua vez, poderia ficar demonstrado no uso de verba pública para montar a estrutura que recebeu o presidente e apoiadores na Esplanada dos Ministérios.

O local foi montado para os desfiles militares, mas acabou sendo usado secundariamente durante o discurso do presidente. Um inquérito civil foi instaurado pelo Ministério Público Federal para questionar o governo sobre medidas adotadas para prevenir que os atos de 7 de Setembro se tornassem eventos eleitorais.

Após os discursos de Bolsonaro, o UOL apurou que os procuradores vão pressionar para saber sobre o "convite" feito a servidores para que participassem do evento. O objetivo principal é saber se os funcionários públicos foram obrigados a comparecer.

DISCURSO

Um dos procuradores do MPF ouvidos pela reportagem disse que, embora Bolsonaro tenha tomado o cuidado de não citar nominalmente seus adversários na disputa, o presidente fez diversas comparações eleitorais, incluindo uma fala machista citando a primeira-dama Michelle Bolsonaro e Janja, esposa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de mencionar assuntos que não têm relação com a Independência.

Uma procuradora que atua com questões eleitorais afirma que a simples retirada da faixa presidencial e fato de o discurso ter sido feito em um carro de som particular não é suficiente para separar o desfile do ato de campanha.

Os procuradores avaliam ainda que a confusão entre o que é evento cívico e o que é ato de campanha ficou ainda mais evidente com manobras militares sendo conduzidas no Rio em alusão ao bicentenário da Independência ao mesmo tempo em que manifestantes celebravam a candidatura do presidente.

Um subprocurador avaliou que a situação é "grave" e abre a possibilidade do Ministério Público ou de algum partido apresentar uma ação de investigação eleitoral no TSE para apurar possível abuso de poder nos atos. "Nunca tivemos na história recente, desde a redemocratização, uma situação que se assemelha a essa", disse, reservadamente.

Para o secretário-geral da Abradep (Associação Brasileira de Direito Político e Eleitoral), Volgane Carvalho, o enquadramento de eventual abuso de poder político e econômico dos atos se daria menos pelo teor do discurso de Bolsonaro e mais pelo uso de dinheiro público para financiar a estrutura montada nas localidades em que o presidente falou.

"Se a gente olhar com a visão mais estreita, você vai ver que o evento foi feito em um caminhão privado, com sonorização privada. Mas se você olhar em um ângulo maior, se tem uma superestrutura montada com recurso público e em que pessoas foram atraídas para um desfile militar e apresentações cívicas e que convenientemente o discurso aconteceu no mesmo local, imediatamente após o encerramento do desfile", disse.

Para Maíra Recchia, presidente do Observatório Eleitoral da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo), "Bolsonaro ultrapassou todos os limites possíveis". "Especialmente da legislação eleitoral. Foi o uso da máquina pública na sua forma mais clássica para promover seus atos de campanha, nunca visto anteriormente de forma tão escancarada."

“Hoje foi uma cena deplorável. Além de confundir propositalmente uma coisa com a outra, o sujeito ainda fez uma propaganda de seu desempenho íntimo. O Brasil não merece isso"Igor Tamasauskas, doutor em direito do Estado pela USP.

 

Da Redação (com informações do UOL)

RELACIONADAS

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

OPINIÃO - FALA CIDADÃO