Prevista para entrar em vigência em 23 de janeiro deste ano, a Lei 13.964/2019, que altera o Código de Processo Penal, institui o “Juiz das Garantias”. A urgência da medida o coloca no centro das discussões. As opiniões se dividem entre os que apoiam e os que não apoiam.
O advento do “Juiz das Garantias” demandará mudanças significativas no dia a dia do Judiciário no que tange aos processos da área criminal. A legislação prevê a inserção de mais um magistrado, que ficará responsável pela etapa “pré-processual”, ou seja, por todos os atos inerentes ao inquérito do início da investigação até o recebimento da denúncia.
Esse magistrado terá a responsabilidade de promover a “fiscalização” e a “autorização” de atos como busca e apreensão, quebra de sigilo bancário ou telefônico, colaboração premiada, coleta de provas, entre outros. O conjunto de informações e provas será colocado à disposição de um outro magistrado, que terá a responsabilidade de conduzir a fase processual, ou seja, até a sentença final.
Dessa forma, o acusado teria uma garantia “dupla”: imparcialidade do magistrado no decorrer do processo, pois não haveria o risco de o responsável pelas decisões da fase “pré-processual” ou investigatória ser influenciado durante a colheita das provas na fase “processual”. Isto porque este último juiz formará a sua convicção sem ter tido o contato “direto” com as provas produzidas na fase investigatória.
Não se trata de inventar a roda. A instituição do “Juiz das Garantias” já é algo comum em vários países. Está presente, sob a figura de um “juiz de instrução”, no ordenamento jurídico da Espanha, França, Itália e Alemanha, na Europa, do México, na América do Norte, e de vizinhos sul-americanos como Chile e Colômbia, com bons resultados.
Se tal peça é considerada primordial dentro do processo judicial em países considerados mais avançados nessa área, porque não haveria de ser no Brasil? Acredito que a grande questão, neste caso, está na forma como o país está adotando o “juiz das garantias”, creio que o assunto poderia ter sido melhor discutido entre os parlamentares e as entidades de classe que compõem o sistema de justiça ao longo do ano de 2019, quando o congresso brasileiro debateu e aprovou o projeto de lei.
Tenho afirmado, com conhecimento de causa, que Mato Grosso é um exemplo das implicações de uma adoção apressada desse instituto. Além de haver vacância nos cargos de juízes, muitos dos que atuam hoje no interior do estado são obrigados a acumular duas ou mais comarcas. Para poder atender ao que determina a nova lei, teríamos que aumentar substancialmente o número de magistrados, além de dotar as comarcas de condições necessárias para seu trabalho. Quer dizer, mais estrutura física e pessoal, com mais gastos com energia, água, combustíveis e internet, por exemplo.
Não há tempo hábil para a realização de concursos e tampouco o aumento de gastos oriundos da implementação foram comtemplados no orçamento aprovado em 2019. Restará então ao Judiciário adotar medidas paliativas para poder cumprir a lei em prazo tão exíguo.
Nada obstante aos desafios, acredito que colocado em “prática” e dotado das condições necessárias para o seu funcionamento, a figura do “juiz de garantias” promoverá uma verdadeira revolução na colheita da prova e trará mais credibilidade, segurança e celeridade ao processo criminal brasileiro.
Tiago Abreu é juiz de Direito e presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (AMAM)