A compilação de três estudos realizados pela rede Fair Finance International (FFI) divulgada nesta quinta-feira (15) revelou que instituições financeiras da Holanda, Alemanha e Noruega investiram mais de US$ 11 bilhões (R$ 59,3 bilhões em valores correntes) em 26 empresas líderes do agronegócio e varejo brasileiro, selecionadas entre companhias que atuam com alto risco de envolvimento com desmatamento no Cerrado e a na Amazônia, nos setores de carne e soja.
Segundo o levantamento feito nos três países foram identificados investimentos de 31 instituições financeiras, dentre seguradoras, bancos, gestoras de recursos (asset managers) e fundos de pensão que fizeram investimentos ou empréstimos totalizando de quase R$ 60 bilhões. Se contabilizadas empresas chinesas e europeias que não necessariamente operam no Brasil, mas que consomem os produtos do agronegócio brasileiro (principalmente soja e ração), aumenta-se o número de empresas para 59 e o valor investido ou emprestado passa para quase US$ 21 bilhões (R$ 110,5 bilhões).
"A ineficácia dos atores envolvidos de cessar com o desmatamento e violações de direitos humanos que vêm junto coloca o agronegócio brasileiro na mira desses grandes bancos. Se medidas urgentes não forem tomadas, há um risco de fuga de capitais ou de redução de investimentos", ressalta Gustavo Machado de Melo, analista de serviços financeiros do Idec. Apesar da crescente ameaça de desinvestimento que as instituições financeiras têm feito, os estudos identificam muito a se fazer. "É preciso melhorar as políticas, com metas mais claras, e no monitoramento e engajamento de clientes, com resultados concretos.", pontua Machado.
O estudo com maior representatividade para o mercado brasileiro é o holandês. Ele identificou quase US$ 3,2 bilhões de investimentos em ações e títulos de empresas que atuam nesses setores. Praticamente metade desse valor foi para as 26 empresas líderes do agronegócio brasileiro, um montante de US$ 1,4 bilhões. Além do valor em investimentos, essas empresas atuantes no mercado brasileiro receberam mais US$ 7,8 bilhões em empréstimos que ainda estão vigentes e outros US$ 1,1 bilhão em subscrição de ações entre 2015 e 2020. Contabilizando investimentos, subscrições e empréstimos, 19 instituições financeiras atuantes na Holanda destinaram quase US$ 10,4 bilhões às empresas que lideram o agronegócio e a distribuição de seus subprodutos no Brasil.
No caso da Alemanha, o valor encontrado é menor, mas não menos relevante: US$ 764,1 milhões destinados às empresas que operam no agronegócio e varejo brasileiros, além de outros quase US$ 2 bilhões que foram para aquelas que beneficiam carne e soja brasileira na China e na Europa. Já na Noruega, o levantamento encontrou US$ 292 milhões investidos em empresas operando no Brasil, além de outros US$ 419 milhões para as chinesas e europeias.
Resumo dos valores totais identificados nos estudos do FFI, em milhões de dólares
País
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Tipo de investimento
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Tipo de instituição financeira
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Montante destinado às 59 empresas selecionadas
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Montante destinado às 26 empresas líderes do agronegócio brasileiro
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Alemanha
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Ações e Títulos
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Seguradoras e suas gestoras de recursos
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2.760,9
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764,1
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Holanda
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Ações, títulos, subscrições e empréstimos
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Fundos de pensão, seguradoras, bancos e suas gestoras de recursos
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17.987,6
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10.394,7
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Noruega
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Ações e Títulos
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Bancos e suas gestoras de recursos
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711,1
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292,2
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Total
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Ações, títulos, subscrições e empréstimos
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Fundos de pensão, seguradoras, bancos, gestoras de recursos
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20.936,7
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11.231,0
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Ainda que as categorias de instituição financeira pesquisada em cada país seja diferente os volumes saltam aos olhos. A retirada desses investimentos, ainda que parcial, teria significativo impacto em empresas nacionais como JBS, Marfrig, Minerva, Terra Santa e SLC Agrícola. Os valores absolutos dos investimentos podem ser encontrados na íntegra no estudo, disponibilizado ao fim da página.
Os estudos visaram identificar qual o grau de ação que as instituições financeiras de cada país estão tomando para evitar envolvimento com desmatamento e seus efeitos correlatos e o engajamento que têm com empresas sabidamente envolvidas – direta ou indiretamente – na conversão de florestas em pasto e plantação, ou na venda dos produtos dessas empresas para o mercado externo (exportação) ou mercado consumidor (varejo). Chegam à conclusão de que falta, por parte das instituições financeiras europeias, detalhe sobre como fazem a análise das companhias nas quais investem e como levam à cabo o engajamento para que essas empresas adotem práticas sustentáveis.
E os bancos brasileiros?
O cenário de pouca transparência utilizado pelas instituições financeiras brasileiras dificulta a identificação e envolvimento delas com empresas direta ou indiretamente ligadas ao desmatamento. Enquanto a maioria dos 9 maiores bancos do país em ativos (Banco do Brasil, BNDES, Bradesco, BTG Pactual, Banco BV, Caixa, Itaú-Unibanco, Banco Safra e Santander Brasil) informa o número de casos ou clientes que passam por análise socioambiental, nenhum deles informa com quais empresas mantêm relações comerciais.
No Brasil, só alguns poucos bancos descrevem casos emblemáticos de engajamento com empresas financiadas em seus relatórios. Entretanto, jamais dão nome aos bois (nesse caso, quase que literalmente). Essa prática estabelecida no mercado brasileiro mostra um baixo grau de transparência e prestação de contas. As instituições financeiras ainda não se sentem na obrigação de explicar sobre o que alcançaram nos engajamentos com empresas que financiam ou investem ou mesmo nomear as empresas com as quais têm vínculo.
Grandes bancos frequentemente possuem “listas de exclusão” onde depositam nomes de empresas proibidas de serem financiadas por causa de seu envolvimento com corrupção, desmatamento ou poluição, dentre outras violações. Nenhum deles é brasileiro. Por aqui as listas de exclusão não nomeiam empresas, mas sim atividades consideradas proibidas, com as quais o banco não se envolve. Além disso, os bancos não financiam empresas citadas nas Lista Suja do Trabalho Escravo mantida pelo Ministério da Economia. No entanto, não garantem que empresas listadas pelo uso de mão-de-obra análoga à escravidão não façam parte da cadeia de suprimentos de suas investidas.
As respostas para os problemas relativos ao desmatamento já estão, em grande parte, presentes no debate público e precisam ser efetivamente implementadas. Cabe aos bancos caminharem para sua progressiva integração, num intervalo de tempo suficientemente curto dada a urgência do tema e o atraso que tiveram para uma ação assertiva.
Passo a passo para ação dos bancos contra o desmatamento
Nos últimos meses, os bancos privados brasileiros vêm evoluindo nas medidas em reação ao desmatamento, trazendo exemplos concretos de como deve ser uma política nesse sentido. Ainda predominam os compromissos em detrimento das ações efetivas. Mas aos poucos os compromissos vão se concretizando, como quando Bradesco, Itaú e Santander nomearam um conselho consultivo de especialistas pró-Amazônia para apoiar no desenvolvimento de políticas para o bioma.
Para guiar os bancos brasileiros em seus compromissos de promoção do desenvolvimento sustentável, pontuamos a seguir os principais critérios a serem considerados. Eles são inspirados nas recomendações do estudo holandês, mas passaram por adequações ao contexto nacional.
1. Análise, engajamento e prestação de contas.
Além da análise socioambiental, os bancos devem engajar-se com empresas investidas e financiadas para que melhorem seu desempenho socioambiental. O engajamento deve ter fases claras e mudanças circunscritas temporalmente e deve prever sanções em caso de descumprimento, inclusive desinvestimento em caso de performance insatisfatória. Em caso de créditos, os compromissos devem ser incorporados ao contrato.
2. Metas inteligentes.
São necessárias políticas robustas que sejam obrigatoriamente acompanhadas de métricas de desempenho inteligentes, ou seja, que sejam específicas, mensuráveis, atingíveis, relevantes e com prazos. O que temos hoje são inúmeros compromissos de melhora generalistas e sem metas temporais claras.
3. Monitoramento.
Para que as análises e engajamentos socioambientais sejam efetivos, é importante reforçar o monitoramento das empresas com risco de envolvimento direto ou indireto no desmatamento.
4. Transparência.
Nenhuma política de engajamento ou mudança se sustenta sem transparência e prestação de contas. Isso significa relatórios informativos sobre o desempenho qualitativo da carteira, em termos socioambientais, ademais da prestação de contas sobre engajamentos realizados, baseado nas metas inteligentes. É preciso comunicar expectativas e formalizar requerimentos feitos às empresas.
5. Envolvimento de todas as partes interessadas.
A transparência deve se dar com todos os atores relevantes: sociedade civil, comunidades afetadas, acionistas e clientes. A consulta com essas partes é essencial em diversas fases do processo: na definição de materialidade, construção dos métodos de avaliação socioambiental, engajamento com clientes e publicação de resultados.
6. Exercício do poder de voto.
Todas as gestoras de recursos de terceiros (asset managers) dos conglomerados financeiros brasileiros têm políticas de voto. Por enquanto, nenhuma dessas políticas abordam o tema socioambiental, contrastando com o posicionamento dos bancos de integrar a sustentabilidade de forma transversal aos negócios.
7. Adiantar-se às tendências.
Alguns avanços só serão alcançados em cooperação com o Poder Público e o setor produtivo, como prega a abordagem jurisdicional. Por exemplo, enquanto não chega a unificação do registro de terras, é dever dos bancos não só analisar o CAR (Cadastro Ambiental Rural), mas também o registro de propriedade e o histórico socioambiental da empresa e de sua cadeia de suprimentos.
Tome atitude
Pressione seu banco por maior responsabilidade enviando um ultimato pelo site do GBR, exija que ele se comprometa com metas inteligentes contra o desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Basta clicar no botão vermelho que aparece na página inicial ou aqui.
Sua mensagem vai direto para a caixa de entrada da área de sustentabilidade do banco.
Fonte: Guia dos bancos responsáveis