“INCONCERTEZAS” VIRAIS

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Estava relutante em escrever sobre a pandemia do novo Covid 19 por tratar-se de um assunto que contém questões que se abordadas de forma superficial, prestam-se a ser mal interpretadas por negacionistas que delas farão certamente um uso indevido a fim de manietar cabeças ignorantes e/ou mentes desumanas. Percebi, no entanto, que muitas dessas questões encontram-se já colocadas nas sociedades faz tempo, aguardando por debates sérios e essencialmente promovidos por pessoas com reais conhecimentos dos assuntos em questão e com uma sabedoria reforçada por uma ideologia que sabemos uns terem e outros não. Porém, infelizmente o efeito Dunning-Kruger existe e prolifera como mosca na carniça. 

Uma primeira questão que a pandemia me desperta prende-se com a democracia. Como disse Winston Churchill – “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Repito isso na perspectiva de que a maioria não é a dona da razão, bem como no sentido de que os nossos representantes, os eleitos, poderem ser crónicos inaptos ou perigosos sociopatas, a exemplo do que a história passada e recente nos tem presenteado. Mas pior que isso (se é que isso é possível) é o fato da pandemia estar a deixar a democracia em standby, por tempo indefinido e com um prognóstico de difícil reversão do atual quadro. Implementação de estados de emergência territorial com acessibilidades e perímetros diferenciados, aplicação de medidas compulsórias de âmbito individual e fundamentadas descriminações sanitárias, autuações sem vigilância e controle da comunicação mainstream, ao abrigo de uma pseudo política editorial de não pânico, são vivências que vão sendo incutidos nos cidadãos ensinando-lhes “um novo normal” civilizacional. 

Outra questão que a pandemia levanta diz respeito há desigualdade e à inevitável pergunta se ela veio/vai agravar ou atenuar as desigualdades existentes. Uma coisa, porém, nós já sabemos. Em certas Bolsas de Valores, em plena época de pandemia, registram-se índices espetaculares de uma abastança que se contrapõe frontalmente e agride atuais economias em colapso. Igualmente estranho é o abandono de previsões e da informação sistemática de indicadores de bolsas por parte dos ditos comunicadores mainstream. Será que os donos dos editores brasileiros esqueceram-se de mandar fazer as matérias? Mas outras coisas nós sabemos, por exemplo, lendo as publicações do Institute of Policy Studies dos Estados Unidos. Dias atrás estudos realizados por essa entidade revelaram que as fortunas dos 647 indivíduos mais ricos do país cresceram perto de um milhão de milhões de dólares (um 1 seguido de 12 zero), entre março e novembro de 2020 (8 meses de pandemia), e que a fortuna dos 12 mais destacados cresceu 40% só entre março e agosto desse mesmo ano de pandemia. E muito provavelmente na Europa e Ásia algo semelhante está acontecendo. Sendo assim, não me venham dizer que neste exato momento não há quem celebre os tempos em que vivemos. Tempos nos quais resta aos 7,8 bilhões de pessoas que habitam o planeta, conviver com o desmoronar das suas famílias, com o medo, a incerteza, o desemprego, o fim dos negócios e de ter de ouvir, nas noites mais sombrias, o "Viva La Muerte" dos fascistas. Nunca ouviu? Eles andam aí. 

A vacina é também outra questão que levanta paixões e importantes assuntos, logo de início de âmbito científico, em particular nas vacinas da Pfizer/BioN Tech e da Moderna Inc. Em outubro passado, uma edição da especializada Trends in Genetic publicou um estudo que, no mínimo, permite-nos questionar a falta de transparência pública e as incógnitas do uso da tecnologia de “edição do genoma” nunca antes experimentado em seres humanos. Assunto que me despertou também curiosidade sobre quais as razões do crescente aparecimento de cláusulas de confidencialidade e sigilo na celebração de vários tipos de contrato. Outra questão, não menos importante, é o facto da busca por uma vacina ter introduzido uma acentuada aceleração na transferência de capital do setor público para o privado. Ditado como necessário para equilíbrio da economia e manutenção de postos de trabalho, esse movimento, independentemente de reafirmar o Estado como solução, não evitará como já admitem as previsões, mais austeridade, mais desemprego e degradação social, com a consequentemente restrição de direitos e liberdades. 

De entre outras questões, estas, no meu entender apresentam-se com mais acuidade e sobre esse “novo normal” ele para mim não tem nada de novo, só de anormal. 

 

 

Rui Perdigão – Administrador, geógrafo e presidente da Associação Cultural Portugueses de Mato Grosso.