Quando a guerra entre Rússia e Ucrânia começou havia muita apreensão sobre os impactos que o conflito poderia trazer não só para a economia mundial e brasileira, mas também para o agronegócio no país.
Entre as preocupações destaca-se a dependência do Brasil de fertilizantes, alteração no fluxo de portos e escassez de commodities no mercado internacional.
Passados mais de quarenta dias dos ataques russos ao território ucraniano, já se torna possível analisar a repercussão deste conflito internacional no agronegócio brasileiro. Dentre os produtos importados pelo Brasil do Leste Europeu, fertilizantes e insumos agrícolas (nitrogênio, potássio, fósforo, dentre outros) extremamente necessários para nossa agricultura são diretamente afetados, além disso, o aumento da inflação impacta o preço de grãos, como a soja e o milho, exportados em grande parte pelo Estado de Mato Grosso.
O tempo de duração da guerra também agrava os impactos sofridos pelo agronegócio, na medida em que o prolongamento do conflito torna incerta e onerosa a logística de produção de alimentos, travando a roda da economia brasileira.
Neste cenário, surge a necessidade de se discutir a importação de produtos agrícolas à luz da legislação brasileira, sobretudo no que diz respeito aos contratos e como o direito brasileiro pode minimizar os efeitos causados pelo fortuito de uma guerra.
Obviamente, se não houvesse um mecanismo jurídico a assegurar o preço futuro de comercialização da safra, é certo que o produtor rural (sendo um ser racional como qualquer outro) seria demovido da ideia de incremento e investimento em sua produção, dada a necessária cautela diante do risco de perda de patrimônio.
A fim de superar tal risco e permitir, portanto, a segurança na semeadura da safra e o incremento da produção agrícola, é que são firmados os contratos de compra e venda futura de safra, por meio dos quais o produtor essencialmente fixa o preço que lhe será pago por ocasião da colheita e entrega da produção ao comprador. Ditas transações podem ser firmadas por diversos meios e modalidades, por exemplo:
(I) podem comportar a antecipação de recursos ou insumos (barter) pelo comprador ao produtor;
(II) podem não conter qualquer antecipação de preço ou insumos, prestando-se apenas para assegurar o preço ao produtor e a entrega da mercadoria ao comprador; e
(III) podem ser firmadas no âmbito do mercado de bolsa, em contratos de liquidação financeira (contratos futuros e derivativos).
No agronegócio são comuns contratos de compra venda de insumos agrícolas com entrega futura. Os produtores, mediante a previsão de produção e segundo os compromissos assumidos, se comprometem com a entrega futura de determinada quantia de produtos mediante a fixação de determinado preço.
Para o produtor rural, a vantagem está justamente na garantia de recebimento de determinado valor, sem o risco das oscilações do mercado, que são comuns na época.
Ocorre que frente à situação atual no Leste Europeu, a cadeia produtiva do agronegócio brasileiro se encontra desestabilizada, pois as empresas vendedoras de insumos estão tendo problemas para honrar seus contratos o que consequentemente irá reduzir a rentabilidade da agricultura brasileira neste ano.
Nesse contexto, é fundamental trazer a lume alguns instrumentos jurídicos que poderão iluminar o caminho para a solução de futuros conflitos desta mesma natureza. Desse modo, o primeiro ponto a se ter em mente é que a relação de compra e venda de suprimentos agrícolas é regulada pelo regramento do Código Civil.
Em uma situação ordinária, reinaria o princípio da força obrigatória dos contratos, previsto no artigo 422 Código Civil, em que as partes devem se submeter ao anteriormente pactuado. Porém, a legislação permite algumas exceções em contextos fáticos especiais.
A guerra é uma situação extraordinária que gera protecionismo e perda de produção. Subsumindo-se o contexto bélico ao direito, a guerra está inserida nas exceções legais em que é permitida que uma das partes contratantes modifique o seu cumprimento, aplicando-se a chamada teoria da imprevisão inscrita no artigo 317 do Código Civil.
Os contratos agrícolas de compra e venda de grãos e fertilizantes, como visto, são pactuados na forma de entrega a termo ou entrega futura não se consumam no próprio ato da celebração. É dizer, pelo maior intervalo de tempo até sua consumação, existe a probabilidade maior de se sujeitarem a mudanças inesperadas. Assim, prelecionou o legislador a possibilidade de resolução contratual nos casos desse tipo de contrato, caso verificada a onerosidade excessiva.
Esses motivos imprevisíveis estão conectados com riscos que estão fora do controle dos agentes, ou que são completamente fora de previsão nos negócios. No caso do agronegócio, a teoria da imprevisão não se aplica aos riscos inerentes à atividade do próprio setor, como chuvas, secas, pragas, dentre outros.
Tais situações decorrem da própria atividade da produção rural, que é a chamada empresa a céu aberto. Assim, a resolução contratual pela onerosidade excessiva reclama superveniência de evento extraordinário, impossível às partes antever, não sendo suficiente alterações que se inserem nos riscos ordinários.
Tal marcha evolutiva da compreensão dos contratos é expressa pelos artigo 317 e 478 do Código Civil vigente, de maneira que quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando consequências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito.
Assim, o que se recomenda é que as propostas sejam cuidadosamente analisadas no caso dos contratos que serão celebrados após esse cenário de guerra e, caso os contratos já tenham sido efetivados (a maioria deles está em andamento) é possível a revisão contratual para o fim de reestabelecer o equilíbrio contratual entre as partes.