Índios cobram apuração de assassinatos em Amambaí (MS)

Em um período de dois meses, outro líder indígena foi assassinado em emboscada em Amambaí (MS). Na terça-feira (13), Vitorino Sanches, 60 anos, foi assassinado com vários tiros, no centro da cidade. Ele chegou a ser socorrido e hospitalizado, mas não resistiu. Segundo testemunhas, ele foi atacado por dois homens que estavam em uma moto.
No início de agosto, Vitorino sobreviveu a um atentado a tiros enquanto dirigia pela estrada que dá acesso à aldeia Guapoy, no interior da Reserva Indígena de Amambaí. Dois motociclistas dispararam pelo menos dez vezes contra o carro, sendo que dois tiros acertaram o líder indígena.
O líder indígena assassinado é mais uma vítima de emboscadas na região. No dia 14 de julho deste ano, Márcio Moreira, um dos líderes da retomada de Guapoy também foi morto brutalmente. Ele foi atraído ao local de sua emboscada por uma proposta de trabalho na construção de um muro, levando com ele outros três indígenas. Na chegada, foram abordados por dois homens que chegaram igualmente de motocicleta. Depois de ofender os indígenas com injúrias e ameaças verbais, iniciaram os ataques. Márcio foi atingido por disparos de arma de fogo e por golpes de arma branca. Os demais, após confronto, conseguiram escapar e voltar para a aldeia.
Vitorino e Márcio eram lideranças da aldeia Guapoy, que em 24 de junho sofreu violento e ilegal despejo executado pela Polícia Militar (PM) do Mato Grosso do Sul. A desastrosa operação resultou no assassinato de Vitor Fernandes e deixou dezenas de feridos, inclusive crianças e idosos. Sete indígenas foram levados para o hospital e dezenas de outros feridos foram atendidos na aldeia por meio de ações solidárias de grupos de médicos populares e organizações de saúde. O episódio ficou conhecido como “Massacre de Guapoy”.
TRAGÉDIAS ANUNCIADAS
No entendimento da Aty Guasu – a Grande Assembleia do povo Guarani e Kaiowá – as emboscadas podem ter relação estreitas com o Massacre de Guapoy. Isso porque as vítimas e demais pessoas que vivenciaram o ocorrido relatam que ameaças tanto em Guapoy quanto na Reserva de Amambaí são frequentes.
Conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), liderança da Aty Guasu relatam que a luta dos Kaiowá pela recuperação de seu território tradicional tem sido marcada por uma série de violações. As pessoas mortas, perseguidas e que estão sendo ameaçadas no território são todas aquelas ligadas à retomada do território.
“Temos muito medo de que possam acontecer mais mortes, mais emboscadas. Nosso território não tem segurança alguma e qualquer um na Retomada pode ser uma nova vítima. Até agora temos compreendido que as investigações não estão sendo feitas como se deveria, mesmo com crimes sendo cometidos tão abertamente”, disse uma liderança ao site do Cimi.
Ontem (14), a Aty Guasu divulgou nota expressando a dor e a revolta pelos assassinatos e emboscadas contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul e exigindo investigação séria e segurança para as famílias indígenas na aldeia Guapy como na Reserva em Amambaí.
“Esta situação de terror nos faz temer pela vida das famílias que estão na Retomada ou na Reserva. Não sabemos exatamente o que está acontecendo, quem são os mandantes e os mandados, o que exatamente tem ligação, mas sabemos que as duas vítimas têm em comum estarem ligados à nossa retomada”, destaca o documento.
Veja a seguir a íntegra da nota divulgada pela comunidade indígena.
NOTA DE REVOLTA E PESAR PELOS ASSASSINATOS E EMBOSCADAS CONTRA OS GUARANI E KAIOWA DA RETOMADA DE GUAPOY E DA RESERVA DE AMAMBAI APÒS O MASSACRE. EXIGIMOS INVESTIGAÇÃO SÉRIA E SEGURACA PARA AS FAMILIAS JÁ.
Amambai, MS, 14 de setembro de 2022.
É com dor e preocupação que recebemos ontem a notícia do assassinato de Vitorino Sanchez em pleno centro da cidade de Amambai, a luz do dia, na vista de todos. Vitorino é o segundo assassinado em três emboscadas ocorridas em Amambai após o Massacre de Guapoy – ação ilegal e violenta da Policia Militar contra a retomada Guarani e Kaiowa. No massacre o indígena Vitor Fernandes foi assassinado e dezenas de pessoas, sobretudo crianças e idosos ficaram feridas.
Após o Massacre as emboscadas começaram a acontecer. Primeiro Marcio Moreira foi convidado a prestar serviço, abordado por pessoas em motocicleta e executado com arma de fogo e arma branca. Depois Vitorino Sanchez sofreu atentado dentro da Reserva de Amambai, onde teve seu carro alvejado por pelo menos 15 disparos vindos novamente de dois sujeitos de motocicleta. Vitorino foi acertado por dois disparos, foi hospitalizado mas sobreviveu.
Agora, em nova emboscada, novamente contra Vitorino, o que demonstra que os agressores não desistiriam enquanto não o executassem, ele foi assassinado com vários disparos, testemunhas falaram novamente em duas pessoas em uma moto.
Esta situação de terror nos faz temer pela vida das famílias que estão na Retomada ou na Reserva. Não sabemos exatamente o que está acontecendo, quem são os mandantes e os mandados, o que exatamente tem ligação, mas sabemos que as duas vítimas têm em comum estarem ligados à nossa retomada.
Marcio era liderança importante de Guapoy, Vitorino um apoiador do movimento de recuperação de nossa Terra, ano aderindo ao boicote sugerido a nossa retomada e fornecendo alimento as famílias. É difícil saber se as forças de segurança também não estão envolvidas uma vez que foram os protagonistas do Massacre que sofremos e que acabaram expostos pelas denúncias deste terrível episódio. Também precisamos saber se os fazendeiros da região estão envolvidos e até mesmo aproveitando de questões internas, como as eleições da aldeia, para atacar nossas famílias.
O fato é que os Kaiowá têm morrido, emboscados, massacrados, perseguidos enquanto os agressores seguem impunes. Até agora nada foi feito com o Estado e com os policias que nos atacaram de forma ilegal e cheia de violência. Até agora, o assassinato de Márcio ficou como sempre sem explicação. Os ataques contra Marcio e Vitorino foram iguais, elaborados da mesma forma e isso exige uma investigação. Parte das policias locais tem se esforçado nos inquéritos e investigações para criminalizar as vítimas, nos indígenas, ao invés de encontrar nossos violadores.
Queremos ajuda das autoridades. Que o MPF, DPU, DPE, possam nos ajudar a garantir os processos de investigação e buscar apoio para proteger nossa comunidade. Que a CNDH, CDDH, CNJ, 6cc, parlamentares e demais órgãos possam vir a nosso estado cobrar que as investigações sejam feitas como se deve e assim evitar que novas vidas sejam tiradas, porque temos muitas razoes para acreditar que ainda matarão muita gente.
Precisamos também garantir a segurança das pessoas da Reserva e em especial das famílias que estão na retomada. O acesso a eles é fácil e eles não tem nenhuma proteção. Muitas estradas vicinais dão acesso ao território que inclusive fica muito próximo de outras fazendas. Tememos pela vida e integridade de todos, homens, mulheres, idosos e crianças.
Exigindo justiça e investigação em relação a estes crimes, a Aty Guasu pede ajuda das autoridades para que não haja mais parentes nossos mortos nos próximos dias. Aqui no Estado do MS, como demonstrado durante o Massacre são todos contra os Kaiowa. A polícia ataca, o Estado permite, o público e o privado funcionam em uma única direção. Ampliar a monocultura sobre os cemitérios que um dia foram nossas terras. Assim eles pensam, mas não permitiremos nem deixaremos de lutar. Que Nhanderu nos proteja e que os senhores autoridades possam nos ajudar.
Aty Guasu Guarani e Kaiowá
Da Redação (com RBA)