Gerânios, Divino…

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Não anda nada fácil escrever; quando penso em divagar, perder-me em devaneios e em poesia, eis que a duríssima realidade invade todos os meus sentidos. Mas, definitivamente, contrariando Drummond, não quero ter mais “ombros que suportam o mundo” e, ao mesmo tempo, “Que fazer, exausto,/ em um país bloqueado/ enlace de noite/ raiz e minério?” (Áporo).

Creio que nada tão radical como o nonsense, eivado de ironias, de “Alice no País das Maravilhas” (Lewis Carroll -1865); apenas uma noite dessas, com alguns amigos, boa conversa e ouvindo Divino Arbués, em suas “Viagens”…

A noite, levemente fria à beira do Coxipó do Ouro, era embalada pela música do barra-garcense e cidadão do mundo, Arbués, cujo CD “Viagens” é um convite ao onírico e aos mistérios do ser, do Ser tão Araguaia (Amauri Tangará) e do sertão mato-grossense. Encantei-me com canções como “Passarinho do sertão” – uma metáfora de cantador, de violeiro amalgamado à terra d’onde ele brotou. As horas passam quase imperceptíveis, que nem “Voo no tempo”, tempo de amar e de partir; tempo de encantar-se e de encantar; tempo de sorrir e de chorar, tempo de magia…

No século XIX, o Ultrarromantismo, também conhecido como Mal-do-Século, pregava a evasão da realidade. Esse escapismo privilegiava a noite, o sonho, a fantasia e o platonismo. Da mesma forma, o bardo do Araguaia, em “Dunas”, escapa do real e, à moda de Manuel Bandeira, vai para um lugar mítico: “Nesse mar eu quis/ As brumas do meu pranto dissipar/ Seio, seu segredo no ar/ Fez meu mundo feliz”. Já em “Pedra preciosa”, ainda que puramente alegórica e sinestésica, é possível perceber os efeitos que a paixão tem sobre nós: “Jurei/ No céu do seu beijo molhado/ Trocar todas as armas da terra/ Por canções de amor e sedução”.

O disco quase todo é um hino atávico ao amor e à terra do menestrel. Repleto de metáforas, de comparações e de sinestesias, as canções fundem-se à poesia; em sua maioria, são poemas cantados. Apesar do tom telúrico, “Viagens” possui dimensões universais à medida que, sem perder a leveza, traz à reflexão os sentimentos e conflitos inerentes aos seres humanos. Aliás, o desencontro amoroso, o desamor está presente de maneira ímpar no samba-canção “Só mais essa vez”: “Pense só mais essa vez/ Vou lhe dizer quanto lhe gosto/ Mais que tanto eu sei e sinto,/ Já não posso/ Esse fim tão de repente não previ/ De tanto que me entreguei”.

Em tempos tão duros e tão pobres para a cultura brasileira, em tempos de silêncios ensurdecedores e omissões homéricas, o trovador Divino Arbués presenteia-nos com “Gerânios”: “O mundo pode ficar/ Mais um pouquinho sem nós/ Resta a beleza na flor/ Mesmo se a chuva parar”.

SÉRGIO CINTRA é professor de Redação e de Linguagens em Cuiabá