Cientistas dizem que mutações do vírus explicam reinfecções e recomendam vacinas

Foi-se o tempo em que os cientistas pensavam que pegar covid era uma experiência que cada um de nós só teria uma vez na vida. Atualmente, se sabe que a reinfecção está se tornando cada vez mais comum e, em casos mais raros, pode até acontecer com uma janela de intervalo de poucos dias entre o primeiro e o segundo quadro.
Porém, a janela de imunidade pós-covid mais aceita entre os especialistas nos dias de hoje varia entre três meses a cinco anos.
Com o espalhamento das novas variantes, especialmente as sublinhagens derivadas da ômicron, como a BA.2 e a BA.5, os casos de reinfecção se tornaram muito mais comuns — como mencionado mais acima, em alguns indivíduos o segundo episódio da doença acontece num intervalo bem curto, de poucas semanas após o primeiro quadro.
E, embora a janela de imunidade possa variar entre poucas semanas a até alguns anos de pessoa para pessoa, as evidências científicas mais recentes permitem entender um pouco melhor como nossas células de defesa atuam, quanto tempo essa proteção costuma durar e quais são os fatores que facilitam o contato com o coronavírus seguidas vezes.
Há diversos motivos que ajudam a entender por que em alguns casos a imunidade dura muitos anos (ou até para sempre) e, em outros, ela vai embora rapidinho.
Um dos principais fatores tem a ver com as próprias características do vírus e a interação que ele tem com nosso organismo.
Vamos começar com a parcela desses patógenos que é estável e permanece praticamente igual ao longo de décadas ou séculos.
Essa característica representa uma boa notícia para o sistema imune, que consegue reconhecer o agente infeccioso e resgata as instruções de como combatê-lo, graças à infecção prévia ou à vacinação.
Agora, imagine o cenário oposto, que acontece quando os vírus circulam com muita rapidez e são uma verdadeira metamorfose ambulante?
Esse é o caso do Sars-CoV-2, o coronavírus responsável pela pandemia atual: ele sofre mutações genéticas a todo o momento conforme é transmitido de pessoa para pessoa.
Se essas alterações trouxerem vantagens ao patógeno — como uma maior facilidade para infectar as células ou a capacidade de driblar a resposta imune, por exemplo — elas vão prosperar.
É assim que surgem as variantes de preocupação. Essas novas versões do vírus ganham terreno e estão por trás de reedições nas ondas de casos, hospitalizações e mortes.
Ao longo dos últimos dois anos e meio, vimos esse fenômeno acontecer ao menos cinco vezes, com a chegada das variantes alfa, beta, gama, delta e ômicron.
Mais recentemente, o aparecimento de subvariantes derivadas da ômicron, como a BA.2 e a BA.5, acelerou e aprofundou ainda mais esse processo.
Em suma, todas essas linhagens carregam mudanças nos genes que apareciam no vírus "original", detectado pela primeira vez em janeiro de 2020 em Wuhan, na China.
Do ponto de vista das nossas defesas, esse fato representa uma péssima notícia. Isso porque a resposta imune obtida através de uma infecção prévia ou da vacinação se torna cada vez mais desatualizada.
Com o passar do tempo — e o surgimento de novas variantes com mutações genéticas mais diversas — o resultado do trabalho dos linfócitos B torna-se cada vez menos efetivo.
Isso porque os anticorpos que eles fabricam são montados especificamente para neutralizar o causador da primeira infecção — ou, de preferência, estão alinhados à formulação original da vacina, que carrega instruções para combater as versões mais antigas do vírus.
Ou seja: se uma variante que tenta invadir o corpo apresenta mudanças significativas na estrutura, os tais anticorpos não conseguem mais agir como se esperava.
VACINAS FUNCIONAM
Apesar de tantas mudanças nas relações entre o coronavírus e a nossa imunidade, ao menos uma coisa continua a funcionar relativamente bem na maioria das vezes: a proteção das vacinas contra complicações, hospitalizações e mortes relacionadas à covid.
Esse resguardo acontece por meio da ativação da memória do sistema imunológico e a ação de células como os linfócitos T.
Em termos práticos, o coronavírus até consegue entrar no organismo e driblar os anticorpos num primeiro estágio.
Mas logo entra em cena o batalhão de células imunes comandadas pelos linfócitos T, que controlam a situação e impedem que o vírus ganhe terreno e cause sintomas mais graves.
"O vírus até entra e causa incômodo, mas, graças à memória imune, ele logo toma 'umas invertidas' e cai fora", conta Antonio Condino Neto, professor sênior de imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).
É exatamente isso que testemunhamos ao longo dos últimos meses: ainda que a ômicron esteja por trás de recordes de casos de covid, as hospitalizações e as mortes não subiram na mesma proporção.
E mesmo naquelas pessoas que estão testando positivo pela segunda ou até pela terceira vez, a tendência é que o quadro seja bem mais leve, marcado por sintomas que costumam lembrar um resfriado comum, como coriza, tosse e dor de garganta.
"Por isso, é muito importante que as pessoas estejam com o esquema vacinal em dia. Quem está com as doses atrasadas deve ir correndo tomar as suas", sugere Condino Neto.
Segundo o portal CoronavirusBra1, apenas 51% da população brasileira tomou a terceira dose de vacina, que é considerada primordial para ampliar a proteção contra as formas mais graves da covid.
O pesquisador da USP reforça que o imunizante ajuda a "acordar" o sistema imune e "aumenta as chances de, se você pegar covid de novo, ter uma forma mais branda da doença".
Rizzo acrescenta que, além de estar com a vacinação em dia, não podemos "baixar a guarda" com as outras medidas preventivas.
"O coronavírus não veio de outro planeta. É só a gente usar máscara e tomar alguns cuidados que ele não passa", esclarece.
"Não temos que esperar o governo dizer que precisamos nos cuidar. Cada um deveria pensar em sua própria responsabilidade nessa história."
O imunologista alerta que, dada a recente história de mutações e variantes, não está descartada a hipótese de que apareça uma versão agressiva do vírus, que consiga escapar completamente da proteção conferida pelos imunizantes disponíveis.
"Toda vez que alguém se infectar, entramos numa espécie de loteria. Será que dali vai sair um coronavírus cheio de mutações que escape das vacinas?", questiona.
De acordo com o painel de informações do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), a média móvel diária de novos casos de covid-19 no Brasil supera os 57 mil.
"Nosso comportamento atual só está incentivando que esse cenário vire realidade", lamenta.
Da Redação (com informações da BBC Brasil)