Fim do exame de Ordem: bom pra quem?

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O Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é um exame nacional – formulado e corrigido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) – ao qual se submetem todos os bacharéis de Direito que desejam exercer a advocacia no Brasil. A aprovação neste exame é condição legal para obtenção da licença profissional.
Nos últimos dias, alguns parlamentares voltaram a defender uma reforma na legislação para que essa prova não seja mais obrigatória ou para que não seja mais condição para o registro do advogado na OAB.
Ocorre que não se pode separar a defesa do fim do Exame da OAB da defesa do péssimo ensino jurídico que tem sido ministrado pela grande maioria das faculdades de Direito do Brasil, em especial por aquelas faculdades particulares geridas pelos grandes grupos empresariais da Educação.
Esses grupos, que hoje dominam o "mercado" do ensino jurídico, conseguiram junto ao MEC, durante a gestão petista, abrir milhares de novas vagas para estudantes de Direito, ao mesmo tempo em que conseguiram a aprovação de que o curso possa ser ministrado quase que inteiramente pela internet.
É claro que, além do lucro e do valor de suas ações na Bolsa de Valores, esses grupos também estão preocupados com o marketing negativo gerado pelo sofrível preparo profissional da maioria dos alunos que conseguem concluir o curso. E para que a qualidade sofrível do serviço vendido a preço de ouro não fique tão escabrosamente escancarado para a sociedade, é preciso que os novos bacharéis tenham maior facilidade de conseguir emprego e possam exercer a profissão. Se não, porque teriam se endividado, com mensalidades absurdas, para pagar os 5 anos de curso?
A grande barreira enfrentada pelos milhares de bacharéis que se formam anualmente e que os impede de exercer a profissão na área jurídica tem nomes: ou é o concurso público, ou o é o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em uma média nacional, apenas assustadores 24% dos candidatos conseguem aprovação na prova da OAB. As estatísticas revelam que faculdades públicas se saem muito melhor que as privadas, com algumas chegando a alcançar o excelente índice de 90% de aprovação.
O elevado e preocupante índice geral de reprovação, antes de revelar a dificuldade da prova – que exige dos candidatos conhecimentos básicos de matérias fundamentais, além de demonstração de capacidade de formular uma petição ou recurso -, escancara que a grande maioria das faculdades de Direito – em especial as particulares – estão muito longe de oferecer qualidade suficiente para preparar adequadamente os alunos para o trabalho jurídico perante os Tribunais. E expõe, também, que o Exame da Ordem é o maior anti-marketing das péssimas faculdades espalhadas por todos os rincões brasileiros.
A extinção do exame da OAB permitiria, certamente, que se aliviassem as tensões e pressões sobre as direções das faculdades precárias e sobre os seus executivos corporativos. O lucro seria livre, e a qualidade, mais do que nunca, passaria a ser mero detalhe.
Também se permitiria que uma gigantesca massa de bacharéis de Direito sem preparo técnico suficiente para exercer a profissão angariasse clientes, que nada mais são que cidadãos – você, leitor, inclusive – angustiados com algum problema legal, passando a representa-los perante os Tribunais na defesa da vida, liberdade, família ou patrimônio, sem perder a lembrança de que, na Justiça brasileira, uma mesma causa não tem duas chances.
O Poder Judiciário, que já se encontra à beira da falência diante de um número infindável de processos, passaria imediatamente a receber muito mais demandas, em petições sem a qualidade e técnica adequadas, provavelmente ineptas, forçando os magistrados – nunca alheios aos direitos em litígio – a gastar o seu já precioso e pouco tempo disponível emendando erros dos novos causídicos. Teríamos, em brevidade maior que a que se pode imaginar, o completo colapso do sistema judiciário.
Por isso, enquanto a maioria da enorme quantidade de cursos jurídicos no país estiver mais preocupada com lucros, redução de despesas, sem qualquer compromisso real com a qualidade do ensino, o Exame da Ordem é a única garantia da sociedade de que o advogado escolhido para a sua defesa terá condições técnicas mínimas de bem defender seus direitos perante os Tribunais.
Por isso, a defesa do fim do Exame da OAB não é a defesa dos interesses maiores da sociedade civil, mas sim a defesa dos interesses dos grupos econômicos que controlam a Educação privada brasileira, e a defesa da continuidade de uma péssima qualidade dos ensinos jurídicos no país.

Joaquim Felipe Spadoni, advogado. Conselheiro Federal pela OAB/MT. Mestre em Direito pela PUC/SP e pela University of California – Berkeley School of Law.