Com 8,5 milhões de km2 de extensão territorial, pouco menor que toda a Europa e atrás também de Rússia (17 milhões de km2), Canadá (9,9 milhões km2), Estados Unidos (9,8 milhões km2) e China (9,5 km2), é inadmissível que o Brasil disponha de uma rede ferroviária tão precária. Tornou-se lugar comum atribuir ao governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) a culpa pela opção radical em favor das rodovias para o transporte tanto de cargas como de passageiros, mas, desde então, pouco se fez para se reverter essa tendência que obriga o País a desperdiçar muitos recursos. Basta ver que a malha ferroviária permanece há praticamente um século com a mesma extensão, de 29 mil quilômetros, inferior até mesmo à da vizinha Argentina, que dispõe de 34 mil quilômetros para um território que equivale a um terço do espaço brasileiro.
À guisa de comparação, é de se lembrar que os Estados Unidos contam com uma rede ferroviária de 226 mil quilômetros, a mais extensa do mundo, a Rússia com uma de 87 mil quilômetros e a China com uma de 86 mil. Mas o pior é que a rede rodoviária brasileira também é precária em muitos lugares. Um exemplo é a região noroeste do Rio Grande do Sul, Estado considerado desenvolvido, onde abundam estradas de chão e rodovias mal asfaltadas, sem acostamento.
Obviamente, a prioridade para a expansão da rede ferroviária deveria ser o interior do País, já que se trata de um transporte mais rápido, mais barato e menos poluente. Já no litoral, onde mais de 80% da economia do País estão localizados a menos de 500 quilômetros da costa, o modal mais viável seria o transporte por cabotagem, que constitui a opção mais eficiente para distâncias acima de mil quilômetros. Para tanto, porém, seria necessário ampliar as conexões ferroviárias aos portos a fim de que atendam com maior eficiência às necessidades da logística para exportação e suprimento do mercado interno.
Como os cofres públicos parecem um tanto esvaziados, depois que muitos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foram canalizados para obras de infraestrutura em países da América Latina e África, para revitalizar a malha ferroviária, o governo optou pelo sistema de concessão à iniciativa privada, que, como se sabe, só investe em ferrovias que despertam maior interesse. E ainda assim com extremo receio porque as concessões ferroviárias no Brasil duram apenas 30 anos, enquanto nos Estados Unidos esse prazo se estende a 60 ou 70 anos. Para piorar, cerca de 22 mil quilômetros de um total de 29 mil das ferrovias brasileiras foram constru&i acute;do s com bitola métrica, método considerado ultrapassado, que não pode mais ser aproveitado.
Isso significa que cabe mesmo à União colocar em prática um grande projeto de investimentos em infraestrutura, já que há pelo menos 30 anos não se vê no País nenhum tipo de planejamento estratégico. Segundo dados oficiais, em 2019, foram investidos apenas 1,87% do Produto Interno Bruto (PIB) em obras de infraestrutura, quando o ideal seria que fossem investidos por ano pelo menos 4,2% do PIB durante duas décadas para que seja alcançado um estágio satisfatório.
Dentro desses investimentos, seria necessária a implantação de pelo menos mais 10 mil quilômetros de ferrovias para atender à demanda reprimida. Como se sabe, hoje, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a rede ferroviária representa apenas 15% da estrutura de transportes, enquanto o modal rodoviário é responsável por 65%. Mudar a matriz do transporte no Brasil é desafio para os próximos 30 anos.
(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional das Empresas Transitárias, Agentes de Cargas, Comissárias de Despachos e Operadores Intermodais (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site: www.fiorde.com.br