Além do efeito devastador na saúde, no cotidiano e na economia, a pandemia do coronavírus provoca também uma situação sem precedentes na educação.
Segundo estimativa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o fechamento de instituições educacionais em decorrência do vírus já atinge metade dos estudantes no mundo, um total de 890 milhões em 114 países.
No Brasil, todos os estados já decidiram suspender aulas. A medida foi seguida por colégios privados e faculdades.
Educadores agora avaliam quais serão as consequências dessa paralisação forçada. O aumento da desigualdade é um dos riscos mais temidos.
De maneira geral, e muitas vezes sem planejamento, países têm apostado na educação a distância como solução para o período de confinamento.
Os resultados da adoção massiva desse modelo, bem como o período ao longo do qual ele será necessário, ainda são desconhecidos, mas algo parece certo: estudantes com pior nível socioeconômico terão mais dificuldades. Basta ver a movimentação das escolas na primeira semana de interrupção gradual das aulas em São Paulo.
As particulares já começaram com aulas ao vivo transmitidas por computador e plataformas online nas quais os alunos acessam conteúdos e podem interagir com a turma.
Nas públicas, os professores ainda não sabem como será o uso de tecnologia, uma vez que muitos estudantes não têm computador em casa.
O governo de São Paulo negocia com operadoras patrocínio para bancar a conexão de wi-fi do jovem que tenha ao menos um smartphone. O secretário da Educação, Rossieli Soares,
já afirmou que qualquer solução só será adotada como principal se for acessível a todos.
As condições materiais, claro, não são o único desafio do isolamento. Com filhas trigêmeas de 9 anos, o médico Vamberto Maia Filho tem as acompanhado nas tarefas de casa desde que o Santi, colégio no Paraíso (região central de SP) onde elas estudam, anunciou a interrupção das aulas. A escola preparou para o período atividades online e off-line.
“Não vou mentir: o primeiro dia [de atividades em casa] foi catastrófico”, conta o pai. “Era um volume muito grande de material, e elas ainda não estavam adaptadas.”
Agora, diz ele, ficou mais fácil, mas Valdemar avalia como fundamental a sua presença ou a de sua mulher por perto para acompanhar o processo —algo natural para o casal, que já fazia isso.
“Nessa idade, não tem chance de elas seguirem sozinhas. A plataforma, por exemplo, permite que alunos falem entre si. Se deixar, vira zorra e desconcentra”, diz.
O contexto de participação dos pais e acesso a tecnologia contrasta com o descrito por Mariana (nome fictício), professora de um colégio público em Mogi das Cruzes (Grande SP) que pede para não ser identificada. Ela diz temer pelas lacunas de aprendizagem que seus alunos podem adquirir no período sem aulas.
Em primeiro lugar, porque ela própria está sem computador em casa, e muitos dos seus estudantes passam pelo mesmo. Em segundo, porque não sabe que atenção eles terão para atividades remotas neste momento sem ninguém para acompanhar de perto.
“Os pais dos meus alunos são autônomos, a cabeça deles não vai estar voltada para os estudos, mas para se manterem vivos nesse período.”
A duração da emergência do coronavírus é vista por autoridades e educadores como chave para determinar se a suspensão das aulas irá de fato aumentar a disparidade entre alunos ricos e pobres.
Estudos mostram que até as férias de verão produzem perdas de aprendizagem com maior efeito entre os de pior nível socioeconômico.
“As dificuldades crescem exponencialmente quando o fechamento de escolas é prolongado”, afirmou na quinta-feira (19) Stefania Giannini, diretora-geral assistente da Unesco para a Educação. “Escolas, ainda que imperfeitas, cumprem um papel de equalização na sociedade e, quando elas fecham, as desigualdades se tornam muito maiores.”
Não é só entre grupos sociais que o efeito da paralisação escolar pode ser diferente. Entre níveis de ensino também.
A fase de alfabetização é vista como uma das mais difíceis de se transpor para o mundo online. E lacunas nessa etapa, se não resolvidas, deixam sequelas por toda a vida escolar.
Em live nas redes sociais, o secretário Rossieli afirmou que deverão ser enviadas orientação aos pais com filhos nesse estágio, mas previu obstáculos, uma vez que é difícil para as famílias ajudar a desenvolver habilidades como a de fixar a mão e a grafia.
“Certamente na hora que voltarem as aulas nós vamos ter uma dificuldade muito grande em relação ao que a gente precisa fazer com alfabetização”, disse, citando os estudos relativos aos prejuízos de longos períodos sem aulas para a aprendizagem.
Há também quem veja a questão de forma mais otimista. “Os pais de crianças em alfabetização devem se tranquilizar, não é uma interrupção que vai impedi-las de concluir o processo”, diz Cristina Nogueira Barelli, coordenadora do curso de pedagogia do Instituto Singularidades.
Ela avalia, por outro lado, ser importante que as redes comecem a pensar em avaliação a ser feita na retomada das aulas, a fim de planejar eventuais ações reparadoras.
Outra fase considerada delicada por parte dos educadores é a dos alunos do 3º ano do ensino médio. Professor do Laboratório de Redação, cursinho que tem se destacado nas notas da Fuvest, Adriano Chan decidiu interromper as aulas por enquanto, já contando com a possibilidade de adiamento de vestibulares.
Ele descartou lecionar a distância durante o confinamento. “Quando você está dando aula para aluno presencial, você vê pela cara dele quando ele não en tendeu alguma coisa. No online, parece que está tudo certo quando não está.”
Não é consenso. Diretora pedagógica do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, Mayra Lora avalia que o que se perde a distância é principalmente o convívio social, não o conteúdo. Para ela, os alunos dessa série têm ainda uma vantagem: a maior autonomia.
O debate sobre a a manutenção da data de provas diante do impacto da pandemia sobre o calendário escolar provavelmente será colocado em pauta adiante, como já ocorre em outros países.
Para João Marcelo Borges, diretor de estratégia política do Todos Pela Educação, é importante já pensar no adiamento do Enem, uma vez que o exame é porta de entrada para universidades, e os alunos mais pobres devem voltar do período sem aula com uma defasagem maior.
Ele aponta que as ações do Estado para a educação no período de confinamento devem envolver medidas, que vão desde a nutrição ao apoio ao professor, passando pela comunicação com as famílias.
Reabertas as escolas, será preciso trabalhar com as sequelas do isolamento na saúde mental. “Trata-se de algo que deve afetar toda a sociedade, mas, no caso das crianças, também contribuirá para dificuldades de aprendizagem.