Mestre Carivaldo, de familiares com raízes africanas, filho de Antônio Lopes dos Santos e Maria Etelvina de Jesus, Carivaldo é natural do Estado da Bahia, mais propriamente da cidade Souto Soares Bahia, que faz parte da Chapada Diamantina. Nos dias de hoje é uma região muito comentada e frequentada por ser um reduto turístico até mesmo internacional. Com a sua atuação na Capoeira, (Sinézio José Fernandes) ganhou destaque em nossa cidade, um cidadão admirado por toda a sociedade rondonopolitana, desprendido e generoso sempre ofereceu o seu apoio às crianças carentes que queriam aprender a arte da capoeira. Vamos conhecer um pouco mais sobre a trajetória de vida do querido Mestre Carivaldo.
JFR; Mestre Carivaldo como foi a sua infância e as possibilidades de estudo, fale sobre as suas raízes familiares;
Mestre Carivaldo; “Me lembro da minha infância, a minha mãe lutava com grandes dificuldades, a região em que nós morávamos não oferecia oportunidades de melhora, uma região rural de muita pobreza.
A escola naquele tempo era de difícil acesso, muito longe, não tínhamos condições para frequentar. Minha bisavó veio da África , a minha avó e a minha mãe nasceram no quilombo Reage do Mel na Chapada Diamantina, mas a minha família trabalhava na roça a gente morava em casa de palha e barro e não tínhamos muitas oportunidades de melhorar essa situação”
JFR; Como foi a trajetória de sua bisavó escrava que chegou no Brasil?
Mestre Carivaldo; “A minha bisavó Maria Cândida de Jesus veio de navio negreiro para o Brasil, ela desceu lá no porto da Bahia ela chegou em pleno momento da escravidão, e foi vendida para os senhores de engenho para uma fazenda. Quando foi proclamada a libertação em 1888 aqueles que tinham algum local para ficar, ou seja, que estavam trabalhando permaneceram no trabalho, os que não estavam ficaram andando, perambulando até encontrar um local que pudesse trabalhar. Nesse período a minha avó seguiu caminhando pelos lados da cidade de Lençóis cidade baiana que nasceu o maestro Marinho Franco, e foi parar na Chapada Diamantina, onde pegou um lote de terra e lá se fixou, lá nasceram a minha avó e a minha mãe.”.
JFR; Fale sobre a mudança da sua trajetória de vida da Bahia para São Paulo:
Mestre Carivaldo; ”Quando eu completei os meus 15 anos de idade, eu fui para São Paulo levado por um tio, a pedido meu porque nós estávamos passando necessidades, corria o ano de 1970. Cheguei lá na rodoviária velha, o meu tio era semianalfabeto, e eu já conhecia as letras eu falei” nós vamos para o Ipiranga temos que pegar o ônibus Fábrica é aquela lá,” ele duvidou, eu tinha certeza, fomos e embarcamos com algumas malas. Chegamos ao nosso destino, ou seja, no Ipiranga no prédio que o meu tio estava construindo e dias depois comecei a trabalhar.”.
JFR; Você bem chegou a São Paulo começou a trabalhar e já recebeu um outro convite que lhe deixou muito feliz, conte sobre aquele momento;
Mestre Carivaldo; “Passados uns 20 dias em que eu estava trabalhando na construção, chegou uma senhora de muita presença bem arrumada que era proprietária da obra ela era a família Camargo. O meu tio já fazia vários serviços para a família e era o pedreiro mais antigo, ela me perguntou assim; “O meu filho quantos anos você tem? Eu disse que eu tenho 15 anos, ela entrou na obra e me perguntou: "Você quer morar mais eu? Aí meu tio olhou assim e disse; “Vai…vai…” ela então me disse, pega as suas coisas, eu disse mais eu só tenho uma malinha velha aqui, e aí eu peguei e fui pra casa dela, ao chegar me espantei era uma mansão, uma casa grande e linda. Ela tinha duas empregadas, uma que passava as roupas e outra para lavar e cozinhar, eu cheguei ela me deu um lugar bom pra morar, eu murmurei… meu pai do céu, eu acho que estou no céu aqui. Ela tinha quatro filhos, uma menininha de 8 anos, um guri de 12, um outro de 15 anos e um outro de 16, todos ficaram meus amigos. Eu passei a tomar conta da casa molhando o jardim, lavando os carros da família, fazendo as compras. À noite quando os meninos iam para a faculdade eu ia buscá-los. Os meninos cresceram e fiquei lá até os meus 21 anos. Estudei, fiz o Mobral, ela me ensinou a ler e a escrever e me dizia assim; “olha eu sou sua mãe branca” ela me ajudou tanto, fui bem encaminhado durante esses 5 anos que estive lá.”
JFR; Como foi o seu encontro com a capoeira?
Mestre Carivaldo; “Foi em São Paulo na escola eu vi uma apresentação de Capoeira e me apaixonei a academia ficava próxima ao conhecido Parque D. Pedro, e era perto da minha casa fui visitar e logo fiz a matrícula, primeiramente a Capoeira era só nós sábados, fiquei nessa academia por dois anos, depois eu fui morar em São Caetano e me formei lá. A minha patroa foi minha madrinha e o meu patrão o padrinho, ela me deu um terno branco muito bonito para minha formatura.”
JFR; Anos depois você retornou a Bahia conte sobre esse fato:
Mestre Carivaldo; “Fazia 5 anos que eu não ia na Bahia, eu falei pra ela que eu queria dar um presente para a minha mãe, ela perguntou qual é o seu sonho? eu disse é dar uma casa pra minha mãe. Ela foi e pegou o dinheiro e disse está aqui o dinheiro para você comprar uma casa para a sua mãe, foi lindo demais. Quando eu cheguei na Bahia, entre os familiares parecia que eu era um Deus lá, eu estava diferente, bem gordo, minha mãe parecia não me reconhecer, os tempos tinham melhorado graças a Deus. Minha desconfiada me disse; “Mas é meu filho mesmo…? E com emoção e carinhosamente me abraçou e foi aquela alegria geral, comprei a casa pra minha mãe.”
JFR; Como você conheceu a sua esposa e o que representa a família pra você ?
Mestre Carivaldo; “Eu conheci a minha esposa na minha cidade Souto Soares Bahia, ela tinha 15 anos, nos conhecíamos desde criança e sempre nos demos muito bem. Casei voltei pra São Paulo eu já estava com 22 anos, fui apresentar a família daqui, e disse que eu iria daquele dia em diante fazer a minha vida independente.”
JFR; Como foi a sua mudança da trajetória de vida para Mato Grosso?
Mestre Carivaldo; “Cheguei aqui em 1985, foi uma coincidência a minha sogra tem uma irmã que havia saído da Bahia há muitos anos, ninguém conseguia encontrá-la. Ela era da família Gaspar, ela me disse assim; “eu tenho uma irmão que mora em Mato Grosso, não sei sé do norte ou do sul” então me dá o nome da cidade, ela disse; “a cidade se chama Rondonópolis”, pensei…meu Deus do Céu vou lá ver. Aí saí de lá e vim para cá, cheguei na rodoviária velha e perguntei a um rapaz; “você sabe onde é a Avenida Bandeirantes?”ele disse , você conhece um senhor que se chama Zé Goiano? Ele disse que Zé Goiano mora em tal lugar assim, assim ou seja me deu o endereço que eu procurava e eu fui lá. Bati na porta e perguntei quem é o Zé Goiano aí? Ele disse sou eu e a dona Izaurina Gaspar? Ela disse, moço sou eu, eu disse; “a senhora acredita que eu sou casado com a sua sobrinha?”Ela disse; meu Deus do céu é verdade, a minha irmã Eli Gaspar, daí foi uma grande festa. Me apresentei como professor de Capoeira, eles não sabiam nem o que era eu fiquei aqui alguns dias, voltei pra São Paulo e dei as boas novas, e eu tinha gostado de Rondonópolis e disse que iria voltar pra cá só tinha achado muito quente. Depois de 6 meses retornei a Rondonópolis.”
JFR; Desde já agradecemos a sua participação aqui no Espaço Aberto, vamos a nossa última pergunta; A quem você gostaria de agradecer por ter apoiado o seu trabalho em Rondonópolis?
Mestre Carivaldo; “Primeiramente quero dizer que fiz aqui um trabalho social com as crianças carentes, aqueles que não podiam pagar as aulas de Capoeira, fiz campanha para a compra de roupas e uniformes para as crianças e assim também foi na alimentação. Quero agradecer ao professor Venâncio, a Sara Jane pelo grande apoio que me deram, logo que cheguei aqui me deram a oportunidade de trabalhar com eles na Academia Lider de Artes. Me ajudaram no começo da minha vida. Quero agradecer aos meus ex-alunos que hoje são professores e boas lideranças na sociedade rondonopolitana. Para finalizar comento aqui brevemente um momento não muito feliz que aconteceu em uma indústria aqui em Rondonópolis um acidente em que perdi os dedos da mão, na vida da gente nem sempre coisas alegres acontecem, mas eu dei a volta por cima. Muito grato a esse Espaço Aberto do Folha Regional por esta oportunidade.”
Por Denis Maris