A sobretaxa imposta pelo governo chinês às importações de carne de frango do Brasil, de até 38% e em nome de uma política antidumping, pode ter raízes e implicações negociais mais profundas do que a aparência sugere. A sanção ao produto brasileiro pode ser carta colocada pelos chineses na mesa de negociações com os Estados Unidos, para favorecer a cadeia produtiva de frango daquele país (forte no meio oeste americano, eleitor de Trump) e assim azeitar um acerto entre os dois gigantes da economia, suavizando o clima de guerra comercial. Em outras palavras, talvez uma jogada para sinalizar a possibilidade de aumento das exportações norte americanas de frango para a China e facilitar um entendimento entre os dois países, ainda que à custa de outros parceiros seus.
Vamos lembrar que o Brasil é a 8ª economia mundial, mas quando o assunto é agronegócio já somos percebidos como uma potência: a terceira força mundial, às vezes na liderança de algumas cadeias produtivas, em outras situações disputando “cabeça a cabeça” com os grandes do setor. Está certo que, no momento, passamos por uma fragilização de imagem no exterior, por conta da arrastada recuperação econômica, das crises políticas e de embaraços como a “carne fraca”. Mas, o poderio do agro brasileiro no mercado internacional já está posicionado e será um jogo cada vez mais duro nas relações comerciais; não há tapinha com luva de pelica e as políticas concorrenciais tendem a ser agressivas e truculentas.
O Brasil hoje é protagonista. Entrou na Copa do Mundo do agribusiness e tem que defender posições com força tática e esperteza estratégica. Recorrer a instâncias internacionais de livre comércio é medida protocolar, diplomaticamente correta, algo que deve ser feito, mas em geral é demorado e nem sempre ajuda a fechar as contas ou metas do ano. Funciona mais a médio e longo prazos. No campo do comércio mundial de produtos agropecuários, nosso país chegou lá, tem potencial para crescer mais ainda, entrou categoricamente no cenário e, recorrendo a uma imagem comum desta Copa, diria que está no meio da área adversária, disputando a bola com enormes e implacáveis zagueiros.
Tivemos um “meia esquerda” que entrou para a história, o Rei Pelé, que, além de conhecer tudo de bola, confrontava a marcação e negociava espaços como ninguém pelo campo. Em habilidade, o Brasil já é uma espécie de “pelé” do agronegócio, pelos desafios que enfrenta para produzir bem, e de modo ascendente, no mundo tropical. Agora, vivemos também o momento de adquirir a picardia que o “rei” tinha no gramado, para criar seus espaços e fustigar os oponentes. É assim que vamos construir o estado da arte do agro brasileiro, fortalecendo e depois consolidando a sustentabilidade do setor. Bola para frente, bola no ataque.
Por Coriolano Xavier, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e Professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM