Cota Zero: remédio amargo, porém necessário

0
70

Tenho escutado de diversas pessoas várias opiniões sobre o assunto, uns contra outros a favor, algumas sugestões e até mesmo indicação da causa da diminuição dos cardumes. Uns falam que é o aumento do número de jacarés, outros que é o assoreamento dos rios, ou é o despejo dos agrotóxicos e demais insumos no ambiente, dos esgotos domésticos e industriais, os resíduos sólidos, das hidroelétricas da pesca, predatória, dos pescadores profissionais, dos amadores, das cevas e seus tablados, enfim, temos opinião para todos os gostos. Como estamos habitando este espaço há aproximadamente 350 anos, a culpa ao jacaré vai por água abaixo. Como antes o ambiente vivia em harmonia? Jacarés, peixes e uma biodiversidade exuberante. Acredito que a caça do jacaré pode e deve ser como já foi no passado, um incremento à economia pantaneira, porém com toda a certeza, não é dele a culpa pela diminuição dos peixes. As demais interferências citadas, todas tem contribuído para que a cada ano a fauna ictiológica caminhe para o colapso. Sem pretensão de apontar qual a mais danosa ou as mais danosas, vamos decorrer sobre elas; Assoreamento dos rios: os cursos d’água, principalmente os da bacia pantaneira, sempre transportaram sedimentos e os deposita nos seus leitos, quando esses adentram ao pantanal, em função da sua baixa declividade nesse bioma, de 3 a 6cm/km. Isso poder ser visto em um olhar mais detalhado em relação às barrancas dos rios, que apresentam estratificações de camadas de cores e composições diferentes, mostrando o material transportado e ali depositado em diferentes épocas. Isso é ainda mais evidente quando observamos em um sobrevoo, ou na visualização de uma imagem aerofotogramétrica, os milhares de meandros formados, leitos de rios abandonados, que acontecem pelo depósito do material transportado do planalto, fazendo com que esse leito acabe mudando de lugar. Hoje esse material transportado é maior, pois estamos ocupando o solo, seja pelos aglomerados urbanos e mais principalmente pela supressão da vegetação natural dando espaço à agricultura e pecuária. Uso intensivo de agrotóxicos e outros insumos agrícolas: Se esses insumos são como o próprio nome diz, tóxicos aos insetos e as ervas daninhas, também serão aos organismos aquáticos, animais e vegetais. A correção do pH do solo e os adubos químicos e orgânicos, com toda certeza também interferem na qualidade original das águas dos rios. A substituição urgente de uma parcela considerável desses produtos por outros de natureza biológica, em muito contribuirá para minimizar os danos, que causados pelo seu uso. A prática agrícola de terraceamento e plantio direto muito têm contribuído para minimização de impactos negativos, porém devem ser melhor fiscalizados. Esgotos Domésticos, industriais e os Resíduos Sólidos: Claro e evidente que impactam o ambiente. No entanto somos um estado pouco industrializado e os esgotos domésticos lançados sem o devido tratamento, é uma ação que precisa urgente de uma resolução mais célere. O maior aglomerado urbano do Estado, encontra-se aqui em Cuiabá e Várzea Grande e mesmo tratando menos de 30% do esgoto gerado, o Rio Cuiabá, pela vazão que hoje apresenta em período de seca, é capaz de dilui-lo, prova disso é que o oxigênio dissolvido “OD” pouco se altera, quando medido à montante e jusante dos lançamentos que ocorrem no perímetro urbano. Em se tratando dos resíduos sólidos, esse tem impactado muito mais ao alterar e desfigurar a beleza cênica da paisagem pantaneira do que propriamente interferir na qualidade das águas, que impacte os cardumes. Hidroelétricas: Todas sem exceção, CGHs ou PCHs, são de uso não consuntivo, ou seja, não consomem água, usa-as para produzir energia e as devolvem ao ambiente, sem prejuízo a ictiofauna. Quando então as PCHs são aproveitando quedas d’águas naturais, sem, portanto interferir na movimentação dos cardumes, importante e indispensável ação na reprodução dos peixes, além de não impactar, ela acaba ainda sendo um grande aliado ambiental, uma vez que segura sedimentos em seu reservatório, evitando o assoreamento do curso d’água, também apontado como um dos males. Pesca: Seja ela praticada de maneira correta ou predatória, através de amadores ou profissionais, a verdade é que estamos tirando da natureza mais do que ela é capaz de repor. A pesca nas cevas e seus tablados é a mais danosa de todas as práticas entre todas as agressões à preservação dos cardumes, pois interrompe o processo migratório dos peixes, que ao subirem os rios queimam gorduras acumuladas e desenvolvendo o seu aparelho reprodutivo. Além do mais, torna-os presas fáceis aos mais inexperientes dos pescadores. Portanto só nos resta dar um alívio à natureza, aprovando o transporte zero do pescado por um determinado período, afim de que a natureza volte a nos brindar com a exuberância dos cardumes, como fora em passado recente. Isso não quer dizer que estaremos proibidos de pescar, mas sim de transportar o peixe pego, consumindo-o no local. Hoje mais de 85% do pescado comercializado no Mercado do Peixe e servido nos restaurantes, advém de criadouros. Dito isso, Senhores Deputados, e sociedade, optem pela Lei da cota zero, que o ambiente e as futuras gerações lhes agradecerão. No entanto, se não houver uma forte campanha de conscientização e uma fiscalização atuante, essa nossa riqueza irá sucumbir e estaremos matando a galinha dos ovos de ouro do turismo da pesca, importante na preservação dos cardumes. RUBEM MAURO PALMA DE MOURA é engenheiro civil e sanitarista e professor aposentado da UFMT.