Profecias sobre o futuro
O que vai acontecer ao fim da pandemia? Não teremos mais como voltar ao normal, pois a normalidade foi esfacelada por uma rotina nunca praticada, estranha, inusitada.
Vamos ter uma crise econômica que não se originou de fenômenos econômicos. Um mundo até então todo voltado ao trabalho tendo que se dedicar a ficar isolado, não apenas longe do trabalho, mas do prazer, dos passeios, dos amigos e da família, de uma vida livre e solta, despreocupada.
Vejo pessoas fazendo previsões sobre o que vai ocorrer, mas como nunca tivemos antes esse fenômeno, nem numa escala planetária, ninguém pode saber o que acontecerá a partir daquilo que acontece. Não há previsões confiáveis ou possíveis de uma experiência inusitada.
O futuro está predestinado aos profetas, se houver algum. Quando poderemos parar com o isolamento? Quando teremos uma vacina ou um remédio para esse vírus? Quando poderemos voltar as nossas atividades trabalhistas, familiares, comerciais, de lazer sem riscos? Há apenas hipóteses que dependem ainda de pesquisa e tempo de observação para saber exatamente o comportamento do vírus e suas mutações.
Uma nova vida está se revelando a todos, uma nova perspectiva, uma nova dinâmica, onde talvez se desenvolva ainda mais o trabalho na própria casa, onde os encontros se darão muito mais pela internet, do que presencial.
Da escola ao consultório médicos, das oficinas de conserto aos escritórios administrativos, das atividades públicas às políticas, enfim, até mesmo os relacionamentos sociais se darão cada vez mais por telas de smartfones e computadores. Parte das pessoas estão se dando conta que muitas coisas não precisam ser feitas de forma presencial, ou que se pode estar presente mesmo estando longe. Muitos estão se dando conta da importância de ter um lar aconchegante, pois tudo indica que teremos que ficar mais tempo em casa.
O vírus está a demonstrar que esse contato social intenso, apinhado, espremido, amontoado é um perigo, pois é propício ao contágio. É provável que o ocidente acabe copiando uma prática que assistimos nas imagens sobre o oriente – Japão, China e Coréia – todos utilizando máscaras cotidianamente, nos transportes públicos, nas relações no comércio, no mercado.
O que sempre nos pareceu um exagero oriental, agora parece revelar uma sabedoria devido a prática de doenças contagiosas. Inclusive por essa prática, o contágio foi menor nessa parte do mundo.
Assim como o papel higiênico, as máscaras e luvas farão parte da nossa vida diária, serão instrumentos de primeira necessidade. Desinfetantes, sabão, álcool, enfim, os artigos de higiene serão acrescidos de novos itens que aumentará nossos custos pessoais.
As regras de higiene serão mais enfatizadas nas escolas e serão mais cobradas de todos. Será sinal de cidadania aquele que se cuida e evita transmitir doenças aos demais.
O dinheiro que sempre foi o norte de tudo e de todos perdeu, de repente, a importância que sempre teve. E a ciência que raramente era levada a sério pela maioria das pessoas que sempre preferiram confiar nos costumes, na tradição, nos religiosos ou nos poderosos, está agora a revelar sua importância e servindo de guia das deliberações governamentais, ou pelo menos dos governantes ajuizados, os menos ideológicos e menos tolos. Não que a economia deixará de ser importante, mas se levará em conta novas variáveis que nunca foram levadas a sério dos cálculos econômicos.
No cálculo da inflação se levará em conta o custo com novos itens como máscaras e álcool gel. E se começarmos a trabalhar mais em casa, custos sociais como transporte serão diminuídos. Usando-se menos transporte público em deslocamento até o trabalho, o mesmo será menos apinhado, menos insalubre, menos desagradável aos usuários.
As pessoas até tentam prever o que acontecerá, a bolsa de valores e o dólar se agitam nessas previsões, todas elas especulativas, sem credibilidade, sem fundamento.
Que nova economia está sendo gerida no meio dessa pandemia? Que novos valores sociais, políticos e culturais estão sendo forjados do meio dessa época de espera e resguardo? Que novo tipo de relacionamento praticaremos? O futuro está sendo feito agora por nossas mãos inexperientes, e sem uma visão clara do que fazer e como fazer.
E nem tudo está sendo negativo na nossa deliberação de isolamento social: diminuiu a morte no trânsito, os atropelamentos, o roubo dos celulares, a violência social diminuiu de forma significativa. Se a economia sofre, a sociedade espera que as autoridades competentes deliberem, e de forma madura aguarda os acontecimentos. Uma certa civilidade brotou do confinamento.
Roberto de Barros Freire é professor do Departamento de Filsofia da UFMT.