“Impedir réu preso de fazer colaboração premiada é retrocesso”

A possibilidade de impedir que réus presos possam firmar acordos de colaboração premiada – popular “delação premiada” –, prevista em projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional, foi criticada pela juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital.
Em entrevista ao Programa Vip, da Rede Record, a magistrada disse que, se aprovados, tais projetos representariam um “retrocesso” ao sistema de Justiça e ao combate à corrupção
“Há uma tendência de querer impor que não se possa fazer colaboração com o réu preso. Ou seja, a pessoa deveria estar solta para fazer a colaboração. E isso é um retrocesso. Primeiro porque não se prende para puxar a colaboração. Agora, se o fulano ficar preso um ano, dois anos, ele nunca vai poder fazer uma colaboração?”, questionou.
Um dos projetos que visa impor tal restrição à delação – instituto que concede benefícios ao acusado que colabora com as investigações – é de autoria do deputado federal e advogado Wadih Damous (PT-RJ).
O PL 4372̸2016 propõe que as delações só possam ser homologadas nos casos de acusados ou indiciados que respondam ao processo em liberdade.
Para a juíza Selma Arruda, não há razão para impor restrições às delações, uma vez que a colaboração também pode ser usada como estratégia de defesa dos acusados.
“O que não pode haver é um abuso de nenhuma das partes. Não se pode ficar prendendo para tirar uma colaboração. A lei prevê os casos em que o magistrado pode mandar prender. E a decisão do magistrado está sob o crivo do tribunal. Se foi preso para este fim, a defesa tem que recorrer, tem que entrar com o habeas corpus e o tribunal tem que analisar. Se for esse fim mesmo, solta”.
“Agora, se está preso porque deveria estar preso, porque pode estar destruindo prova, porque pode estar tentando fugir do país, porque pode estar aliciando testemunha, você tem que mantê-lo preso. Se ele quiser fazer colaboração, é um direito dele e também é um direito do Estado descobrir o que tem por debaixo de todos estes panos”, disse.
Enquanto titular da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, a juíza já homologou diversas delações premiadas de envolvidos em escândalos de corrupção do Estado, inclusive de réus presos.
Os casos mais recentes foram dos ex-secretários de Estado de Administração César Zílio e Pédro Elias, alvos da Operação Sodoma. Ambos iniciaram a negociação dos acordos com o Ministério Público Estadual (MPE) enquanto estavam presos, tendo posteriormente suas respectivas delações homologadas parcialmente pela magistrada.
No acordo de delação premiada, César Zílio aceitou devolver R$ 1,35 milhão aos cofres do Estado, valor referente à propina que confessou ter recebido no alegado esquema investigado na operação.
O montante deverá ser pago em cinco parcelas semestrais de R$ 270 mil, sendo que a primeira já deve ser efetuada em junho.
Como garantia do pagamento, Zílio ofereceu cinco salas comerciais localizadas no edifício Helbor Dual Business Office e Corporate, no Loteamento Parque Eldorado, em Cuiabá, e 700 cabeças de gado.
César Zílio também deverá entregar ao Estado o imóvel de R$ 13 milhões adquirido na Avenida Beiro Rio. Na área, o ex-secretário iria construir um shopping popular com 700 salas de aluguel.
Segundo o próprio, a área foi paga por ele com dinheiro recebido a título de propina de empresários que mantinham contrato com o Estado.
Já Pedro Elias se comprometeu devolver R$ 2,05 milhões aos cofres do Estado, valor que admitiu ter recebido a título de propina quando foi titular da Pasta na gestão do ex-governador Silval Barbosa.
A devolução será feita por meio da entrega de sete imóveis e pagamentos parcelados em dinheiro.
Pedro Elias se comprometeu a devolver os seguintes bens que, segundo ele, foram adquiridos de forma criminosa: dois apartamentos no Edifício Della Rosa, avaliados em R$ 350 mil; uma sala comercial no Edifício Santa Rosa Tower, avaliada em R$ 250 mil; uma sala comercial no Edifício Jardim Cuiabá Office, avaliada em R$ 180 mil; e três terrenos em Várzea Grande, avaliados em R$ 60 mil.
Como a avaliação destes imóveis soma R$ 840 mil, o ex-secretário se comprometeu a pagar o R$ 1,2 milhão restante em até 18 meses.