O Dia Nacional do Bombeiro é celebrado no dia 26 de maio e para homenagear os profissionais que colocam em risco suas vidas para salvar outras tantas, a coluna Espaço Aberto entrevistou nesta semana o comandante regional do Corpo de Bombeiros, tenente coronel Vanderlei Bonoto. Natural de São Sepé (RS), Bonoto é o filho mais velho de um casal de agricultores, morou no sítio durante a vida escolar e em 1991 começou a carreira militar. Em 1994, Bonoto mudou-se para Cuiabá (MT) e em 2004 chegou a Rondonópolis.
1. Como foi sua vida no campo? Você imaginava que sairia de São Sepé?
Não, eu nunca imaginei que fosse sair do sítio. A minha história é muito bacana, eu estudei em escola rural e a tarde ia para lavoura. Quando terminei a 5ª série que era o último ano disponível na escola, um prefeito da cidade colocou um ônibus para levar as crianças que moravam no sítio para estudar, foi quando consegui concluir o ensino fundamental, se não eu não teria condições. Depois consegui fui para a Escola Agrícola em Alegrete (RS) onde ganhei uma bolsa de estudos, fiquei quatro anos na escola lavando 600 bandejas por dia. Como eu só ia para casa em janeiro e julho, eu li 90% dos livros da biblioteca e virei atleta porque corria de dia.
2. Quando começou sua vida militar?
Quando conclui o curso de técnico agrícola, eu me alistei em Santa Maria, onde fui selecionado para oficial do Exército e comecei minha vida militar em 1991 no 7º Batalhão de Infantaria Blindado. Em 1993, fui transferido para São Paulo, para Companhia de Comando do Comando Militar do Sudeste. Fiquei pouco tempo e depois fui transferido para Lorena (SP), região metropolitana do Vale do Paraíba, fui servi ao 5º Batalhão de Infantaria Leve que foi implantando quando cheguei. Eu tinha 20 anos, era oficial do exercito de dia e cursava filosofia à noite. Em 1994, o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso desvinculou da Polícia Militar e abriu concurso para oficiais do Exército Brasileiro, foi aonde eu vim parar no Estado. Basicamente, estou há 13 anos, a frente do Comando.
3. Você quis ser bombeiro desde criança?
Não, se um dia me falasse que eu ia ser soldado militar do Corpo de Bombeiros, eu já acharia que teria chegado muito longe. Quando passei pelo Exército me identifiquei muito, quando vim para o Corpo de Bombeiros foi uma mudança, buscava estabilidade e não me imaginava ser bombeiro. Mas hoje se perguntar se eu gosto de ser profissão, eu gosto muito, se você atuar dentro das técnicas adequadas, principalmente agora na função estratégica e conseguir executar para atender as demandas da sociedade. Eu sei que fazemos um trabalho importante e se não trabalharmos direito, vidas se perdem.
4. Qual foi a maior dificuldade que você já teve para salvar uma vítima?
Uma das minhas especializações é salvamento em alturas e eu resgatei dois suicidas, a minha maior dificuldade de resgate foi uma em 1998, em Barra do Garças, que queria pular da Serra Azul e eu pulei junto com ela e consegui salvá-la. Este foi o salvamento mais difícil, não para mim, porque eu estava seguro, mas se eu errasse o tempo poderia matar a pessoa ao invés de salvar. Descobri depois que essa pessoa era casada e tinha tido vários abortos e meio que desesperou. Agora o momento mais difícil da minha carreira, quando eu não consegui salvar um caminhoneiro, em Primavera do Leste, ele virou o caminhão saindo da cidade para Paranatinga em 2000. Eu fundei o bombeiro em Primavera do Leste, mas não tinha equipamento, tinha um caminhão velho que nem estepe tinha. Eu não tinha equipamento para tirar ele das ferragens, que é o encarcerador, o volante pressionou o abdômen dele e ele morreu por asfixia, não conseguia respirar e eu não consegui cortar o volante. Esse foi difícil.
5. Momento mais alegre?
O momento mais alegre foi quando eu fiz um parto. Eu tenho muito cursos, um deles é o de socorrista, eu estava terminando um curso em Cuiabá em 1999 e entrou uma ocorrência. Na época, não tinha o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), entramos em uma ambulância e chegamos em um barraco, uma jovem tinha entrado em trabalho de parto, não tinha condições de tempo de fazer nada com ela. Na área do barraco tinha um banco de uma Kombi, onde fez o parto e levamos a bebezinha e a mãe para o Hospital. Depois passo 15 dias, ela foi no quartel e levou a menininha.
6. O que estimula a ir para o Batalhão todos os dias?
O dever e a satisfação ao mesmo tempo, nós vivemos em uma sociedade onde se exigem muitos os direitos e as pessoas esquecem os deveres. E fazer minha parte, acha que cada um tem que fazer sua parte, não só os órgãos públicos, a sociedade em si, o mundo seria melhor. Estou no final da carreira comandando duas regiões inteiras, região Sul e Araguaia e sabendo que o plano estratégico que estamos fazendo vai influenciar não só o imediato, mas daqui cinco a 10 anos, expansão do bombeiro para o Alto Araguaia e Confresa, sabe que o serviço essencial chegue a pessoas que hoje não tem. Hoje, quando você vai a um lugar que não tem Corpo de Bombeiro enfrentamos a maior dificuldade para fazer um combate de incêndio, um salvamento. Sabemos que terá frutos amanhã, as pessoas não vão lembrar de mim, mas as ações vão continuar com outros comandantes, isso é uma satisfação.
7. Quanto tempo de carreira?
Estou na carreira militar há 26 anos. Do Batalhão de Rondonópolis fui comandante por três vezes e no comando da Regional estou há 11 anos e meio.
8. O que você diria para as crianças que querem seguir a carreira?
É uma profissão maravilhosa, porque não tem salário no mundo que pague quando você faz um trabalho desinteressado e salva uma vida. Também tem espinho, não são só flores, mas a vida é feita mais de alegrias do que de frustações.
9. O que você considera como principais desafios a serem enfrentados?
A gente fica muito a mercê dos governos, quando temos um Governo que investe por Segurança Pública a gente tem condição de prestar um serviço de melhor qualidade. Quando você tem um Governo que não investe, automaticamente temos um serviço de menor qualidade, acho que é um desafio muito grande você conseguir, independente de Governo, fazer um trabalho sempre de qualidade.
10. Como é para você poder ajudar as pessoas e saber que muitas vidas foram salvas através do seu trabalho?
Eu não consigo dimensionar, como minha função é estratégica tenho que pensar a instituição estrategicamente inteira, eu não tenho tanto mais contato com a rua, talvez trabalhar com o papel de comandante não me dá dimensão de quanto eu ia para as ocorrências. Mas é uma sensação indescritível de ajudar alguém, tem bombeiro que nasceu para ser bombeiro, esse profissional vai trabalhar feliz todos os dias, agora quem veio para a profissão apenas pelo dinheiro será frustrado, não que o salário seja ruim, mas não é a vocação desse profissional.
11. Qual o contingente da regional hoje?
Hoje temos 213 bombeiros, atendem a 19 cidades da região Sul, mas temos quarteis em Rondonópolis, Jaciara, Primavera do Leste e Campo Verde. Aqui nós temos um modelo único em todo o país, em 2005, criamos o Samu integrado à equipe de Saúde com os bombeiros militares na regional. Temos por exemplo, 70 bombeiros e 50 profissionais de Saúde, trabalhando em Rondonópolis, a ONU prevê 1 bombeiro para 1.000 mil habitantes.