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sexta-feira, outubro 11, 2024

Com Bolsonaro país teve mais de 1 milhão de registros de armas, arsenal abastece bandidos

Desde que Jair Bolsonaro (PL) assumiu a Presidência, em 2019, foram registradas mais de 1 milhão de novas armas particulares no Brasil, segundo dados da Polícia Federal e do Exército obtidos pelos institutos Sou da Paz e Igarapé por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). Até novembro de 2021 havia no país um total de 2,3 milhões de armas registradas (os institutos ainda não obtiveram números de 2022). Trata-se de um aumento de 78% em relação a 2018, último ano da gestão de Michel Temer (MDB), quando havia 1,3 milhão de armas contabilizadas.

Uma parcela importante dessa alta se deve a armamento comprado por pessoas comuns e por servidores civis, como policiais e agentes federais. Nesse grupo, a quantidade de armas mais que dobrou: saltou de 344 mil para 810 mil no período.

Caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs, também dobraram a quantidade de armas em suas mãos: passaram de 350 mil há quatro anos para 794 mil em novembro de 2021. A quantidade de pessoas que se registraram como CACs quase triplicou em período semelhante: eram 167 mil em julho 2019 e, em outubro de 2021, somaram 491 mil.

As armas que as polícias fornecem para o trabalho dos policiais, os armamentos institucionais, não estão incluídas na pesquisa. Também não estão incluídas as que estão em empresas de segurança e nos estoques das lojas e fábricas.

MUNIÇÕES

Nas lojas, as vendas de munições também tiveram crescimento. O número de projéteis comercializados no país dobrou entre a gestão de Temer e o terceiro ano do governo de Bolsonaro. Foram 124 milhões de munições vendidas no passado apenas para CACs e pessoas físicas no varejo. Em novembro de 2021, foram 297 milhões.

Para a gerente de projetos do Sou da Paz, Natália Pollachi, os números revelam que as mudanças nas regras implantadas a partir do governo Bolsonaro, de 2019 para cá, foram efetivas. "Não é só desburocratizar. Houve facilitação e incentivo", afirmou.

O Exército afirmou que faz fiscalizações e que, havendo indícios de crime, a polícia é avisada o registro do CAC é cancelado (veja mais abaixo). O Movimento Pró-Armas e a Aniam (Associação Nacional das Indústrias de Armas) disseram que não haveria tempo para seus porta-vozes prestarem informações. A Polícia Federal, o Ministério da Justiça e a Presidência da República não prestaram esclarecimentos

Armas legais têm sido desviadas para criminosos cometerem ações de alta periculosidade no país. Atualmente, até armas de alto calibre e uso antes restrito podem ser vendidas a cidadãos.

No mês passado, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul deflagrou a Operação Pavão, para desarticular uma quadrilha que assaltou R$ 4 milhões de um carro forte usando fuzis. As investigações encontraram os fornecedores de armas na empreitada criminosa, como um fuzil Imbel calibre 762.

"A arma de fogo era de propriedade de um morador da cidade de Getúlio Vargas, tendo ele adquirido, não somente ela, mas ao menos outras três pistolas, por meio de certificado de colecionador e de atirador expedido pelo Exército Brasileiro, meses antes", informou comunicado da polícia. Outras quatro pessoas ajudaram a fornecer armamentos.

"O investigado, recebeu valores, tanto para a aquisição dessas armas, quanto para a entrega delas posteriormente", disse o delegado João Paulo Abreu. Para ele, "não foi caso de falha na fiscalização, não foi uma 'fatalidade'" — para ele, se trata de "estratégia" criminosa.

“A aquisição de armas de fogo, de forma lícita, por meio de certificados de registro de colecionador e de atirador, obtidos, perante o Exército Brasileiro, tem sido uma estratégia usada por grupos criminosos, para obter instrumentos para ações criminosas", disse o delegado João Paulo Abreu.

Não foi o primeiro caso. Em janeiro, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio fizeram uma operação em que apreenderam 26 fuzis fornecidos por um CAC a traficantes do Comando Vermelho. O armamento foi adquirido legalmente. Em ambos os casos, no Rio Grande do Sul e no Rio, foi realizada a apreensão dos armamentos comprados legalmente.

O Exército disse ao UOL que o controle das armas começa assim que o cidadão faz o registro. A documentação deve comprovar itens como "idoneidade, capacidade psicológica e técnica para utilizar um armamento". Os militares afirmam que "seguem normas rígidas e objetivas voltadas para CAC na concessão de registros e utilização de produtos controlados.

"Havendo indício de crime é comunicado à Polícia Judiciária, sendo o registro imediatamente cancelado por perda da idoneidade do suspeito", diz o Exército.

APREENSÕES CAÍRAM

No ano passado, foi realizada a menor apreensão de armamento pela PF nos últimos nove anos — foram 549 armas, um terço dos 1.702 itens apreendidos em 2020. A maior quantidade apreendida foi em 2014 — 2.387 armas.

Os números devem ser vistos com cautela, porque existem apreensões feitas pelas polícias militares, guardas municipais e mesmo pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) que não entram no cálculo da PF, mas das 27 polícias civis do Brasil

No ano passado, por exemplo, a PRF apreendeu 2.113 armas segundo um balanço divulgado pela corporação. Em 2020, foram 2.229 equipamentos, de acordo com outro comunicado. As apreensões feitas pela PRF ora são contabilizadas pela PF, ora pela Polícia Civil. O mesmo acontece com as polícias militares e guardas municipais.

Sob anonimato, um policial afirmou que os criminosos correm mais risco contrabandeando armas do exterior do que comprando no Brasil. Nos últimos meses, ele observou pelo menos 20 casos em que traficantes, assaltantes e outros tipos de bandidos adquiriram armamentos por meio de namoradas, esposas e vizinhos, que se registram como CAC no Exército.

Também reservadamente, outro policial destacou que um cidadão não pode ter um fuzil mesmo que apresente à PF uma declaração de necessidade. No entanto, basta se cadastrar como CAC no Exército para que esses obstáculos sejam vencidos, de acordo com as novas regras em vigor

Natália Pollachi, do Sou da Paz, diz que é importante não criminalizar a atividade de CAC porque muitas pessoas se dedicam ao tiro esportivo de forma responsável.

Para ela, o estranhamento é a quantidade de armas que hoje é destinada aos atiradores. Antes, variava de quatro a 16, dependendo do nível técnico do atleta. Hoje, são 60 armas, incluindo 30 de uso restrito, como os fuzis semiautomáticos.

“Quando uma pessoa comum acabou de se registrar para praticar supostamente o tiro esportivo, passar a poder comprar 30 fuzis de uma vez, isso não tem relação com a atividade de tiro esportivo", alertou Natália Pollachi.

 

(UOL)

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