A separação dos pais de Maria Aparecida do Nascimento, a Cidinha, marcou sua entrada no “mercado de trabalho”. Então, com 11 anos, ela se deparou com a mãe, dona Nena, sem o complemento financeiro do pai. À época, a mãe era dona de uma lanchonete, mas que não rendia o suficiente para alimentar a família toda, composta ainda por mais quatro irmãos.
Foi assim que, ao lado do irmão mais velho, Cidinha resolveu sair pelo Centro de Várzea Grande, sua cidade natal e local onde morava, para trocar serviços de limpeza por alimento. “Na maioria das casas a gente encerava o piso e, em troca, cobrávamos um saco de feijão e uma lata de óleo. Claro, a gente fazia escondido da nossa mãe. Quando ela descobriu, não gostou. Mas isso de ajudar sempre esteve em mim”, diz.
Tempos depois, no início da década de 1990, a lanchonete faliu e, do Centro, a família toda teve que se mudar para o bairro Mapim, região periférica de Várzea Grande. “Minha mãe não achava emprego. A solução foi comprar uma charrete e começar a catar plástico e todo tipo de material para venda, para a gente ter uma renda”, lembra Cidinha.
Foi nessa época que ela parou de estudar e começou a procurar empregos mais formais. Trabalhou por 15 anos na área de serviços gerais em uma avicultura. Saiu e, sem conseguir emprego, começou a trabalhar, pela primeira vez, com a mãe no lixão de Várzea Grande. Naquela ocasião, grande parte de sua família já estava inserida por lá. “Até hoje trabalham no lixão meus irmãos, primos e tios. Minha mãe, com 66 anos, ainda trabalha, mas cata materiais nos supermercados da cidade”.
Imparável
Cidinha, no entanto, sempre foi “imparável”. “Aprendi a fazer bolo com a minha irmã Simone e resolvi sair pedindo emprego nas padarias de Várzea Grande. Não tinha currículo, nunca tinha trabalhado na área, mas sempre tive uma boa cara de pau. No primeiro lugar em que fui, eu cheguei às cinco da manhã e saí às seis da tarde empregada”.
Depois, Cidinha ficou seis anos em um buffet da cidade, saindo em 2013, quando voltou, pela segunda vez, para o lixão. “Agora meu foco já era outro, queria ajudar minha família. A lei 12.305, de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, falava no fim dos lixões no país. Aquilo assustou todo mundo, então, tive que fazer alguma coisa e foi aí que começou minha trajetória até chegar à criação da Associação”, conta.
As metas desta legislação, que prevê eliminar e recuperar lixões em todo Brasil, previam de forma conjunta inclusão social e emancipação econômica dos catadores. Ainda assim, para lograr a criação da Associação, Cidinha precisava entender também das burocracias. Somado a isso, um fator determinante nessa trajetória foi o trabalho como catadora na Arena Pantanal, durante a Copa do Mundo de 2014, na Capital.
“Fui uma das várias contratadas para trabalhar para a Fifa e foi a primeira vez que realmente ganhei um dinheiro pelo trabalho de catação. Entendi ali que isso era possível. Além disso, comecei a participar de reuniões nos diversos órgãos do Estado e município, quando um dia, a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Marcela Dória, falou algo que ficou martelando na minha cabeça. Era um simples ‘volte a estudar’”, descreve.
Foi assim que surgiu a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Sustentável (Asmats), em 2016, mesmo ano que Maria Aparecida do Nascimento concluiu o Ensino Médio, aos 45 anos de idade. Além do Ensino Médio, a catadora fez outros cursos e é educadora ambiental, dando cursos e workshops sobre sustentabilidade em mercados e redes de hotéis, por exemplo.
Mas ainda tem mais. Os sonhos, assim como ela, são imparáveis. “Se eu falar que eu gosto de trabalhar no lixão, vou estar mentindo. Eu tive que me adaptar. Lá não é bom e a gente fica pela necessidade. Meu objetivo, hoje, é retirar esses catadores de lá e meu sonho é tirar o “Projeto Barracão” do papel, que será uma estrutura voltada para a reciclagem dos resíduos sólidos, só que fora do lixão. É isso que quero”.
Setasc e Asmats
É válido lembrar que a Asmats é parceria da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc). Enquanto a pasta é responsável pela coleta seletiva, cabe à associação o processo de reciclagem para reutilização. Além da Setasc, a Asmats também recolhe materiais recicláveis em outras secretarias do Governo de Mato Grosso. Segundo Cidinha do Nascimento, a coleta destes materiais possibilita o sustento, por exemplo, de uma família formada por pai, mãe e um filho. Hoje, a Asmats representa 42 catadores.
Lute como uma mulher
A história da mulher na sociedade sempre foi marcada pela luta e a quebra de paradigmas. Até 1931, por exemplo, elas não votavam no Brasil. Apenas em 1987 foi criado o primeiro Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, no Rio de Janeiro, órgão que até hoje media as políticas voltadas ao público feminino entre sociedade civil organizada e o Estado.
Outro ponto de relevância na história é a sanção da Lei Maria da Penha, em 2006, que desde então trouxe muitas conquistas às mulheres brasileiras. A luta, no entanto, é constante.
Para mostrar mulheres comuns, como a de Cidinha Nascimento, mas que ao mesmo tempo enfrentam muitas adversidades em seu cotidiano, o que as torna mulheres incríveis, a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania de Mato Grosso (Setasc-MT) traz durante o mês de março – sempre às sexta-feiras – perfis de diferentes personagens femininas, em atuação também em diferentes áreas no Estado. Ela é hoje educadora ambiental e educadora da Rede CFES-CO.