Pesquisa mostra que fome já atinge 33 milhões de brasileiros

O número de pessoas em insegurança alimentar grave no Brasil —ou seja, passando fome— quase duplicou em menos de dois anos. Segundo a pesquisa Vigisan (Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil), divulgada hoje (8), 33,1 milhões de brasileiros se encontram nessa situação (15,5% da população).
O levantamento foi realizado pela Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), que envolve seis entidades parceiras. Em 2020, quando foi realizada a primeira pesquisa deste tipo, eram 19 milhões de pessoas com fome no Brasil (9,1% da população).
O novo inquérito foi conduzido pelo instituto Vox Populi entre novembro de 2021 e abril de 2022, com visita a 12.745 domicílios de 577 municípios nos 26 estados e no Distrito Federal.
Segundo a pesquisa, mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com insegurança alimentar em algum grau, o que significa 125,2 milhões de brasileiros. São famílias que estão preocupadas com a possibilidade de não ter alimento no futuro ou já passam fome.
O problema aparece mais no campo, onde 60% dos domicílios relataram algum tipo de dificuldade —18,6% com insegurança alimentar grave. Os pesquisadores também destacam que as famílias negras e chefiadas por mulheres são as mais atingidas:
- 65% dos domicílios comandados por pessoas pretas e pardas convivem com restrição de alimentos em qualquer nível.
- 63% dos lares com responsáveis mulheres apresentaram algum patamar de insegurança alimentar
Um dos itens novos nesta edição da pesquisa foi a análise da relação entre insegurança hídrica e alimentar.
Das casas com dificuldades no abastecimento de água, 42% responderam que passam por situação de fome. Proporcionalmente, a preocupação com o acesso a alimentos atinge maiores parcelas da população no Norte (71,6%) e no Nordeste (68%).
Em números absolutos, o Nordeste registra mais pessoas com fome: são 12 milhões em situação de insegurança alimentar grave
"Betinho estaria horrorizado, se estivesse vivo, ao ver que voltamos a uma estaca menor que zero, nós pioramos", diz Rodrigo Afonso, diretor-executivo da ONG Ação da Cidadania, citando o sociólogo e ativista dos direitos humanos Herbert José de Sousa, o Betinho, que criou projeto contra a fome, a miséria e pela vida em 1993.
Na época, diz Afonso, eram 32 milhões de brasileiros em risco de fome —a metodologia do cálculo, porém, era diferente. Segundo ele, a situação atual do Brasil não pode ser explicada apenas pela pandemia, já que os dados mostram que a fome vinha crescendo antes disso.
“A situação hoje é muito grave, trágica. Isso não vem com covid ou com a Guerra da Ucrânia. Na verdade, a gente está alertando desde pelo menos 2016", diz Francisco Afonso
CATEGORIAS
O nível de segurança alimentar é dividido em quatro graus:
- Segurança alimentar: alcança hoje 41,3% dos brasileiros. É quando a família tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
- Insegurança alimentar leve: atinge 28% dos brasileiros. É quando a família tem preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro, com qualidade inadequada resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentos.
- Insegurança alimentar moderada: atinge 15,2% dos brasileiros. É quando há redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos.
- Insegurança alimentar grave: atinge 15,5% dos brasileiros. É quando há redução quantitativa de alimentos entre as crianças e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos.
A pesquisa utiliza como parâmetro a EBIA (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar), também usada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
HORROR
A pesquisadora Ana Maria Segall, que participou do inquérito, pondera que não é possível cravar que estamos piores que em 1993, já que a metodologia usada à época era mais restritiva e falava sobre risco de fome —não da fome em si, como hoje.
"O que podemos dizer com certeza é que está pior que em 2004, quando as pesquisas começaram a ser feitas com essa metodologia", diz.
Segundo ela, desde 2018 já era possível perceber aumento nos patamares da pobreza extrema e fome. Para Segall, apesar de os pesquisadores esperarem um resultado pior do que o de 2020, todos ficaram "horrorizados" com o resultado de 33,1 milhões de pessoas com fome.
" Isso nos dá um sentimento de muita indignação. E o que mais chama atenção é a velocidade da fome, considerando o intervalo entre um levantamento e outro."
Ela afirma que um dos detalhes que chama a atenção é que o percentual de famílias em insegurança alimentar leve caiu de classe social nesse período de pandemia.
"E com essa queda vêm as complicações disso: o endividamento, a fome. Vivemos um grande empobrecimento da população."
Para a pesquisadora, a parte mais dolorosa da pesquisa foi ver como a fome atinge mais as casas onde há três ou mais pessoas abaixo de 18 anos —em um em cada quatro desses domicílios (25%), há fome.
Da Redação (com informações do UOL)