Ataques já dominam campanhas

Três semanas após o início oficial da campanha nas ruas, os principais candidatos a presidente — José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PV) e Marina Silva (PV) — dedicaram, até agora, mais tempo a ataques, bate-bocas e debates superficiais do que a uma discussão programática e aprofundada sobre os principais problemas do país. A avaliação é de cientistas políticos ouvidos pelo Globo sobre o comportamento dos três neste início da disputa eleitoral.
— Em matéria de conteúdo, o debate está lastimável. Na minha opinião, há questões fundamentais que não foram nem tangenciadas, como o papel do Estado na economia, a questão do aparelhamento do Estado versus a meritocracia, e os impostos. São questões basilares para você montar uma proposta de governo, apresentar ao eleitorado uma proposta de sociedade. Nada disso é discutido, e a hora de se discutir é agora — afirmou o cientista político da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Centro de Pesquisas e Analises de Comunicação (Cepac), Rubens Figueiredo.
— Tudo é muito superficial. A discussão sobre as Farc é uma reedição da eleição de 2002 e, no, caso do Bolsa Família, se discutiu basicamente a paternidade do programa — concordou o cientista político e professor emérito da Universidade de Brasília, David Fleischer.
Oportunidades não faltaram para que o eleitor pudesse conhecer as propostas dos candidatos em temas como o narcotráfico, o combate à pobreza e a reforma agrária. Esses foram alguns assuntos amplamente explorados, principalmente por Serra e Dilma, nas últimas semanas. A abordagem, entretanto, ficou restrita, em geral, à troca de acusações. Nos primeiros dias de campanha, o futuro do Bolsa Família pautou o discurso da petista e do tucano. Mas eles priorizaram o debate sobre a paternidade do programa, em vez de discutirem como conduzirão o combate à pobreza nos próximos quatro anos.
No caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), tema introduzido na campanha pela oposição, houve troca de acusações entre PT e PSDB; e a questão do combate ao narcotráfico, um dos maiores problemas de segurança pública no país, foi praticamente ignorada. Anteontem, outro tema relevante — as invasões de terra e a reforma agrária — entrou em pauta, e mais uma vez o bate-boca predominou. As razões para explicar esse comportamento dividem os especialistas:
— Acabou de sair o censo do TSE, que mostra que 54% dos eleitores brasileiros sequer têm o primeiro grau completo. Parece-me irrealista supor que os eleitores se debruçarão sobre programas de governo dos candidatos. No eleitorado como um todo, só 6% têm curso superior completo, talvez a parcela mais interessada num debate detalhado de propostas — afirmou o Ph.D. em ciência política pelo Massachusetts Institute of Technology Amaury de Souza.
Fonte: Jornal O Globo