Jovem critica projeto do governo Ratinho Júnior que quer usar dinheiro do estado para colocar militares nas escolas estaduais e cobra na Justiça a suspensão do ato lesivo ao patrimônio público
Ana Júlia Ribeiro ficou famosa em 2016, quando aos 16 anos falou ao plenário da Assembleia Legislativa do Paraná contra a reforma do Ensino Médio e o corte de recursos para a educação. Era a época da ocupação de escolas públicas por todo o país, as Ocupas. E também o ano da aprovação da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o Teto dos Gastos. Aprovada na gestão do presidente Michel Temer e mantida por Jair Bolsonaro, a lei congela recursos para áreas como saúde e educação por 20 anos. Uma tragédia anunciada. Agora Ana Júlia está na luta contra a militarização da escola de onde saiu do anonimato, o Cesmag, ou Colégio Estadual Senador Manoel Alencar Guimarães. E de outras 214 escolas do estado indicadas pelo governador Ratinho Júnior (PSD) para serem militarizadas.
O Cesmag foi fundado em 1905 e Ana Júlia estudou lá entre os anos letivos de 2014 e 2017. Em 2016, ao lado de outros colegas, fundou o primeiro grêmio estudantil da escola pública. Atualmente cursando Direito e Filosofia, e candidata a vereadora de Curitiba pelo PT, Ana Júlia ingressou hoje (30) com ação popular contra a militarização das escolas públicas. A ação ressalta que a lei 20.338/20, que institui o Programa Colégios Cívico-Militares no Paraná, estabelece que a escolha das instituições de ensino para fazer parte do programa deve respeitar a vontade da comunidade escolar. Isso seria feito por meio de consulta pública que durou quatro dias e está ocorrendo de forma atropelada, informa a estudante.
Além disso, o governo estaria utilizando verbas do estado para fazer propagando do projeto, ferindo a moralidade pública, explica a jovem. Assim, Ana Júlia cobra da Justiça a concessão de liminar que suspenda o ato lesivo às escolas e à comunidade educacional paranaense.
Exército cabisbaixo
O anúncio da militarização do Cesmag, lembra Ana Júlia, foi feito em 26 de outubro, mesmo dia em que há quatro anos a jovem falou na tribuna da Alep. “As ocupações secundaristas também discutiram uma escola decentralizada, menos hierárquica, com mais autonomia e que trabalhasse com a completa emancipação dos estudantes, considerando o espaço social e econômico que nós, os filhos das escolas públicas, ocupamos”, lembra. “Agora, o governador Ratinho Junior quer inserir a militarização das escolas públicas é tentar transformar os estudantes em um exército cabisbaixo. Querem nos transformar numa tropa de não pensante”, criticou em suas redes sociais.
A jovem é contra a militarização também por se tratar de um projeto excludente. “É um ataque à concepção pública como um todo. É diferente de um colégio da polícia militar que tem estrutura, muito investimento por estudante, tem esporte, lazer, outras atividades. As escolas militarizadas não são assim. Trata-se só de um controle da gestão militar. O diretor militar estará lá para supervisionar, tutelar, censurar”, alerta.
E ressalta que o projeto está sendo “vendido” como se fosse trazer mais investimentos para as escolas públicas. “Mas são investimentos que não resolvem questões estruturais nem demandas que temos na educação hoje.” E dá exemplos. “Vão destinar mais recursos porque vão pagar uniforme para os estudantes. Só que hoje em dia já há essa exigência nas escolas e o estado não paga. Então a gente vê aí uma pauta populista, demagógica. Se isso fosse mesmo uma preocupação, era só pagar os uniformes para os estudantes”, compara Ana Júlia, explicitando as muitas razões para ser contra a militarização.
Excluir e silenciar
Para ela, o que está por trás da proposta de militarização contra a qual está lutando é também a censura aos estudantes. “Tanto que a gente vê isso acontecendo justamente nas escolas onde há um movimento estudantil mais forte ou tiveram alguma participação política”, como o Cesmag. “O projeto de militarização vem no sentido de cercear esse tipo de manifestação quando é colocado que os estudantes que não se adaptarem ao modelo serão expulsos da escola e perderão sua matrícula”, denuncia. “É um completo absurdo! Que disciplina é essa que eles querem impor? Como assim tenho uma escola do lado da minha casa e não posso estudar nela. Querem tirar a autonomia da educação, das escolas, dos professores, dos estudantes.”
É nítida disputa de classes e a tentativa de adestramento explicitada nos requisitos estabelecidos pela lei, avalia Ana Júlia. As instituições de ensino militarizadas devem possuir as seguintes características conforme a lei 20.338: alto índice de vulnerabilidade social; baixo índice de fluxo escolar; baixo índice de rendimento escolar. “Características que explicitam a higienização política, social, econômica e educacional que querem os que estão no poder. Explicitam o ódio e repulsa que têm de nós”, destaca a estudante.
O projeto rebaixa, ainda, a carga horária de disciplinas como Sociologia, Filosofia e Artes. E desloca 80 milhões dos recursos da Educação para compra de fardas e remunerar policiais militares aposentados para fazer a gestão das escolas.
Militares para quê?
Nesta sexta, professores paranaenses protestaram na Secretaria da Educação do Estado, contra o projeto de militarização. “Uma coisa é você estudar num colégio militar porque quis seguir aquela metodologia. Outra é isso ser imposto num processo completamente atropelado. Nesse sentido ingressamos com a ação popular. Houve um processo que não respeita a moralidade pública, de diálogo com a comunidade escolar. Usa a pandemia para passar um tapetão. O governo do estado está usando dinheiro público para fazer propaganda disso, implantar um projeto ideológico, sem respeitar o contraditório. Anuncia como se tudo já estivesse sendo implementado, sendo que nem acabou o processo das eleições.”
Diante disso, a ação popular denuncia: “Além da sistemática campanha que tem sido realizada pelo Governo do Estado e pela Secretaria de Estado da Educação, cabe registrar que, mesmo antes encerrado do prazo para participação da comunidade escolar no processo de consulta – tendo em vista que a mesma foi prorrogada até o dia 30 de outubro de 2020 (sexta-feira) – os canais oficiais da referida Secretaria vem divulgando, antecipadamente, suposto resultado positivo quanto à aprovação do modelo que o Governo do Estado pretende implantar, conforme restará comprovado”.
A líder das Ocupas ressalta, ainda, que é contra a militarização de Ratinho Júnior por atacar autonomia das escolas e o projeto de escola democrática. “Existe uma demanda do campo da educação de ter um ensino descentralizado, menos hierárquico, com mais diálogo. Que trabalhe também a perspectiva do estudante fora da escola. E isso não acontece com esse projeto. A ideia é colocar os militares dentro da escola numa função de tutela, de silenciamento é isso vai totalmente contra uma escola com autonomia. Qual a função de ter militares na escola, que não são professores, não possuem nenhuma formação específica para estar lá?”, questiona.
Fonte: RBA