A política na era digital

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Vivemos tempos de polarização e a análise política é habitada de subjetivismos. Redes sociais trouxeram a possibilidade da formação de nichos de opinião, onde se fala para uma plateia determinada, com possibilidade de seleção através de bloqueios e cancelamentos. O discurso para um público específico se estendeu às grandes mídias, onde já se sabe de antemão o que será dito por aquele jornalista ou emissora, nunca houve tanto descaramento quanto à imparcialidade analítica.

O formador de opinião que falava para todos está com os dias contados, substituído por influencers de mídias digitais. A assistência hoje só vê e lê aquilo que quer. Houve a supressão do diálogo político e da linguagem comum que permitia uma intersecção de entendimentos e argumentos. A audiência não quer mais ouvir comentário de quem discorda, o feed das redes sociais implantou o hábito de cada um só ler e visualizar o que espera, a sua “verdade”. Sim, a verdade não é mais única, indiscutível. Ela é múltipla mesmo para um único fato.

A “pós verdade” não é mais só um neologismo, possibilita interpretar fatos e a própria História da maneira que melhor lhe convenha. Uma mudança incompreensível para o pensamento tradicional, cartesiano e aristotélico.

Negar tais mudanças interpretativas, linguísticas e comportamentais é manter-se em uma zona de conforto de onde não se quer sair. Jornalistas, juristas e cientistas políticos atribuem a quem não segue a verdade, a lógica e a ciência a pecha de negacionistas, mas não percebem que são também negacionistas aqueles que não aceitam a nova realidade que as mídias sociais trouxeram.

Muitas pessoas só leem notícias e se atualizam pelas redes sociais. E mesmo assim boa parte dos analistas não se esforça para conhecer as mídias digitais, usa lugares comuns em comentários sobre a disseminação de notícias, falando em robôs, sem saber como funcionam algoritmos ou dados anonimizados, estão na pré-história. E tais mídias são cada vez mais decisivas em qualquer movimento político, eleitoral ou de ruptura, dando vantagem a quem melhor utilizá-las para disseminar sua “verdade”.

A tradicional análise, metódica e mesmo matemática desatualizou-se. Dados objetivos como por exemplo renda per capita, índice inflacionário, nível de desemprego, resultado do PIB, não mobilizam a maioria dos cidadãos. Pode-se brigar com esses e qualquer índice, que serão taxados de fraudulentos, falsos ou manipulados, sem a necessidade de se provar nada.

A pós verdade permite agredir instituições em nome da liberdade de expressão, permite armar a população em nome de uma suposta segurança, e assim por diante. Contribui para a disseminação desse modo de ver as coisas o atoleiro político em que o país se enfiou.

A esquerda ainda fala de 64, com discurso revanchista, louva Lula por tirar milhões da pobreza e choram com o golpe institucional que vitimou Dilma Roussef e não fazem auto crítica sobre a corrupção em seus governos. Cada partido de esquerda tem seu próprio mundo que não se conecta com os demais, dividem-se cada vez mais e falam em “frente ampla”. O centro é ocupado por um superlativo, um “centrão”, essa sim uma frente ampla que muitos acreditam servir apenas aos próprios interesses.

A direita, inclusive a extrema, adaptou-se às mídias sociais. Não perde tempo argumentando com o adversário, chama-o de ladrão, vagabundo e discussão encerrada. Analistas continuam condenando a postura deseducada e primária, mas a direita vem lacrando nas redes.

Steve Bannon, estrategista da campanha de Trump, diz que o “personagem” deve dar declarações diárias, polêmicas, mesmo que absurdas e contraditórias, com um único objetivo, o de disputar espaço no noticiário. Com isso sobra menos espaço para críticas. Quanto mais absurda a declaração, mais chamará a atenção e mobilizará as audiências. O “personagem” será visto todos os dias, pautará o noticiário com seus assuntos e confundirá sobre todos os assuntos, desconstruindo a verdade aos poucos.

Não é uma novidade, é uma digitalização da dialética erística, uma versão 4.0 do pensamento de Schopenhauer na obra “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, onde apresentam-se esquemas argumentativos enganosos para persuadir o público.

Com o suporte das mídias digitais esses argumentos ganham proporções inimagináveis, ganham eleições. Inegável que a direita se prepara cada vez mais para essas batalhas digitais, com um verdadeiro exército (não de robôs, mas de células multiplicadoras), enquanto outros campos políticos perdem seu tempo discutindo a pauta colocada pelo “personagem”. Sem a desconstrução desse arcabouço, a tendência aponta para a perpetuação no poder daqueles que melhor lidam com o meio digital, que pode servir a muitos fins.